As expectativas eram elevadas e ela não se cansava de o demonstrar. Há muito tempo que estava ansiosa por fazer cinco anos, para ser uma “menina crescida”. A Pikitim sempre gostou de festas e de ter amigos por perto, e ainda a viagem não tinha começado e já ela apontava no planisfério para a Indonésia como sendo o país onde iria completar os seus cinco anos. Nós também estávamos expectantes, mas tínhamos receio de lho mostrar – não queríamos que percebesse que, no nosso caso, a ansiedade era feita sobretudo de dúvidas sobre como iria correr o dia, sendo a mini-festa a três, com apenas pai e mãe, sem amigos ou avós.
Precisávamos de uma casa ou hotel com piscina, requisito muito apreciado pela Pikitim (não é só de signo, a Pikitim parece mesmo um peixe!), e uma boa ligação à internet para que os familiares e amigos a pudessem contactar via Skype. E foi assim que, olhando para o mapa da ilha de Java e avaliando as opções, decidimos passar o aniversário num muito recomendado hotel de Banyuangui, fazendo de permeio paragens em Malang e junto ao vulcão Bromo, em pleno Parque Natural do Planalto de Tengger.
Uma vez saídos de Yogyakarta, seguimos para Malang a bordo de um comboio noturno (mais uma nova experiência para a Pikitim), uma pequena cidade que em tempos prosperou com a cultura do café. A Pikitim nem deu pela noite passar no comboio – já que dormiu profundamente num assento reclinável – e adorou a sensação de acordar já a chegar ao destino, com uma bela luz matinal a iluminar-lhe a cara.
Malang é uma cidade simpática, quase familiar. Não fosse o excesso de motorizadas e alguma desorganização nas ruas e, olhando para a arquitetura das casas no centro histórico, quase poderíamos pensar estar numa pequena cidade dos países baixos. Foi a partir de Malang que contratamos um transporte até Cemoro Lawang, aldeia com vista para o Bromo.
A Pikitim já tinha ouvido falar de vulcões – “Sabes que dentro da terra há uma bola de fogo, sempre a arder? Às vezes essa bola explode e o fogo vem cá para fora, para o cimo da terra, e isso é que são os vulcões? Sabias, mãe? Eu sabia… foi a avó que me disse”. Também já tinha visto um vulcão algumas vezes nas suas idas à ilha do Faial, nos Açores. Aliás, para ela, nos primeiros anos de vida, todas as montanhas e vulcões chamavam-se Pico. Mas o Bromo seria diferente: um vulcão ativo, para cuja cratera poderíamos espreitar.
Reza a lenda que a cratera do Bromo foi escavada por um ogre gigante com a ajuda de um coco partido ao meio – estava enfurecido por causa do amor não correspondido de uma princesa. Mas nem foi preciso contar a história à Pikitim e a sua imaginação nem precisou de ser estimulada. No comboio entre Yogyakarta e Malang tínhamos encontrado um casal de holandeses com dois filhos: Mette, de quase seis anos, e Siem, de quase três. Voltamos a encontrá-los mais tarde, na agência de viagens onde discutíamos a melhor forma de chegar ao Bromo, e acabámos por seguir viagem juntos até ao vulcão.
Num instante, as brincadeiras começaram a ser feitas a três, e ninguém se importou de ficar dentro de um restaurante a tarde inteira, apesar da magnífica paisagem lá fora. Havia muitos brinquedos para partilhar e muitos desenhos para fazer. O Bromo podia esperar, até porque o vento estava inclemente.
E esperou. Nem sempre tudo corre como planeado, e o vento cortante que quase impedia a respiração não deu tréguas. Às duas e meia da tarde, a intensidade do vento e as baixas temperaturas que se faziam sentir a mais de 2.300 metros frustravam as intenções de conhecer o vulcão mais de perto. Já tínhamos excluído a hipótese de acordar as crianças às três e meia da manhã para assistir ao nascer do sol num miradouro que, dizem, garante as melhores fotografias – como fazem, e bem, a maior parte dos turistas que visitam o Bromo –, quando o vento e frio aniquilaram também a hipótese de atravessar o “mar de areia” para subir ao Bromo e ver a cratera durante o dia. Víamos o Bromo debaixo das nossas janelas e, para as crianças, isso parecia ser mais do que suficiente.
Para os adultos nem tanto, mas não houve outro remédio. Fomos contemplando a vida que se desenrolava naquele “mar” que, de tão escuro, mais parecia de lava do que de areia. Algumas motorizadas (já tínhamos referido que há milhentas motorizadas na Indonésia, não já?), muitos jipes e uns quantos cavalos atravessavam a paisagem protegida rumo ao vulcão, lá ao longe, como se fossem pequenos pontos perdidos num mapa.
Para as crianças, estando juntos, o Bromo era o menos importante. A viagem até Cemoro Lawang, onde passamos a noite, já tinha sido um percurso de pequenas descobertas. Os miúdos repararam nas “saias” usadas pelos homens a caminho do vulcão, indumentária que foi novamente desaparecendo à medida que o veículo ganhava altitude, na subida para a montanha. “Aqui os homens já usam calças outra vez”, reparava a Pikitim, notando também que usavam “uns panos” à volta dos ombros e da cara. Uma espécie de corta-vento, para proteger do frio cortante.
Gorada a possibilidade de subir ao vulcão, e depois de um dia de brincadeiras com os novos amigos holandeses, seguimos para Banyuangui rumo a um bom hotel, boas ligações à internet e, claro, uma piscina. E assim, a viagem de comboio entre Probolinggo (uma cidade não muito longe do vulcão) e Banyuangui foi a derradeira oportunidade para a Pikitim brincar com Mette e Siem, e também o palco da primeira surpresa de aniversário.
Foi uma criança espantada e emocionada que aceitou um envelope cor-de-rosa feito por eles com a ajuda da mãe, com um balão a enfeitar, servindo de embrulho a pequenos blocos de apontamentos e autocolantes. “É a minha primeira prenda de anos!”, notava ela. A vergonha e o embaraço que até então a afastava de outras crianças, e até mesmo do Skype quando lhe propúnhamos falar com familiares e amigos, parecia estar definitivamente ultrapassada.
O dia de aniversário propriamente dito foi passado em Banyuangui, a ponta mais ocidental da ilha de Java e ponto de embarque para a ilha de Bali, próximo destino na itinerância familiar. Passou o dia a nadar na piscina, a falar com primos, tios e amigos, e ouviu cantarem-lhe os parabéns por diversas vezes. Mas o ponto alto foi quando, sem nada combinado, os avós ligaram ao mesmo tempo, no exato momento em que nos preparávamos para cantar os parabéns à mesa do restaurante, com um pequeno bolo comprado num supermercado local, diante de uma Pikitim radiante. E assim acabou por estar muita gente a acompanhar a Pikitim quando apagou a vela dos seus cinco anos – e não apenas nós os três.
Atravessando os jardins do magnifico Ketapang Indah, a caminho da cama no final de um dia de emoções, a Pikitim disse que tinha sido o dia mais feliz da sua vida. Missão cumprida.
sandra diz
Parabéns Pikitim e muitas vidas para nos encantares com mais histórias 🙂
ana diz
adoro o vosso blog!
Estive no Bromo em 2009 e tinha a ideia que ja tinha havido uma erupçao depois disso…é simplesmente maravilhosa toda a vossa viagem!
Tudo pode ser maravilhoso mesmo estando longe de casa!
Parabéns Pikitim!