Estivemos em El Nido dez dias, mas choveu ininterruptamente nos primeiros quatro. A paciência da Pikitim – que não é muita – ficou completamente esgotada, e chegou mesmo a perguntar quem era o senhor com quem devíamos reclamar por causa do mau tempo. “Eu sei que é importante chover, que é bom para as plantas e para a natureza. Chover um dia, está bem, chover todos os dias, não. Não é justo!”, exclamou.
A impaciência da Pikitim tinha uma explicação. Estávamos alojados numa pousada em pleno areal em frente à baía de El Nido, a porta de entrada no maravilhoso arquipélago Bacuit. Vista da nossa varanda de madeira, a paisagem era deslumbrante e as ilhas estavam a um pequeno barco de distância. Tínhamos contado à Pikitim que queríamos fazer passeios de barco para conhecer muitas das ilhas ao largo de El Nido; que nessas ilhas havia praias muito bonitas onde era possível dar mergulhos muito bons e quem sabe até ver tartarugas. Com apelos deste gabarito – ainda para mais para uma criança que adora água -, ficar retida numa varanda a ver chover era quase uma tortura.

Com tanto tempo para matar, houve tempo para incontáveis jogos de cartas, desenhos e trabalhos manuais, habituais queimadores de tempo que normalmente usamos durante as deslocações mais longas . E foi nesses dias que a Pikitim inventou um jogo novo: improvisar letras de músicas, a partir de ritmos acabados de criar. E esse novo “passatempo” haveria de dar frutos nos dias seguintes.
Se, na varanda de El Nido, as letras das músicas andavam à volta da volta ao mundo (“Venham ver, o Diário da Pikitim, uma viagem divertida, para acompanhar até ao fim…”; “é uma viagem de um ano, da Inês com os pais, para descobrir o mundo, viver aventuras e muitas coisas mais”), quando finalmente entrámos num barco e chegámos à Snake Island as letras improvisadas começaram, subitamente, a mudar de tema.

A Snake Island possui uma finíssima língua de areia que se deixa desenhar pelos caprichos das marés, unindo duas pequenas ilhas de vegetação luxuriante. Enquanto Darwin, o “capitão” do nosso barco, preparava peixe grelhado e cortava ananás e melancia aos pedaços para aquilo que seria um almoço simples mas delicioso, a Pikitim enfiou-se dentro da água cristalina e transparente, olhou à volta e começou a improvisar: “Que lugar incrível! Este é um lugar incrível!”, repetia, ininterruptamente, procurando ritmos e melodias que melhor se adaptassem à frase. Dizia que aquela era a melhor “piscina” em que já tinha estado
E, de facto, o lugar era mesmo incrivelmente belo e fotogénico. Já havíamos ficado rendidos à praia Las Cabanas, bem perto de El Nido, na ilha “principal” de Palawan, mas depois de ver as praias de ilhéus como Cudnugon ou Pinagbuyutan o difícil passou a ser eleger as melhores, tal a fotogenia dos areais recortados por rochedos e fileiras de palmeiras, e uma fauna subaquática surpreendentemente farta e vistosa a pouquíssimos metros do areal.

Foi precisamente os peixes coloridos que mais cativaram a Pikitim e, por isso, a ilha Pinagbuyutan ficará para sempre registada na sua memória. Saímos os três, de mão dada, passando cuidadosamente sobre os primeiros metros de areal e corais mortos. A partir daí foi nadar até à exaustão, mesmo quando a Pikitim ainda tinha pé (ela já aprendeu que os corais não são pedras e que não podem ser pisados, senão podem morrer). Foi um “mergulho” de quase meia hora, com a Pikitim excitada e absolutamente deslumbrada com a variedade de peixes que lhe passavam diante dos olhos.
Deixámo-nos levar pela fraca corrente até uma zona em que uma parede se afunda no oceano e uma imensidão de azul tomou conta dos nossos olhos. Com o seu snorkel e máscara na face, a Pikitim nadou para cada vez mais longe, embrenhando-se no azul infinito rodeada de pequenas criaturas coloridas. Não a chamáramos de volta e teria continuado a perseguir peixes azul afora.

A Pikitim já teve tempo de aprender um pouco da linguagem básica dos mergulhadores. Quando interpelada debaixo de água sobre se estava bem, a resposta era sempre a mesma – o polegar e o indicador unidos num círculo, com os restantes três dedos em riste: “OK”. Estava visivelmente feliz.
Regressámos aos corais vivos a mais baixa profundidade, onde havia corais de todas as formas, peixes de todas as cores e tamanhos e curiosíssimas formas de vida em miniatura. Às tantas, vimos a Pikitim subir à tona e tirar instantaneamente a máscara da cara. Quando subimos também para perceber o que se tinha passado, já ela gritava a plenos pulmões, excitadíssima: “Pai, pai, encontrei o Nemo! Viste?”. E lá estavam dois peixes-palhaço adultos, protegendo as suas crias escondidas numa anémona-do-mar. Foi a conclusão perfeita para um de muitos dias deslumbrantes passados a navegar nas águas calmas do arquipélago Bacuit. É fácil adivinhar a banda sonora que corria nas nossas cabeças.
Delicioso :):)