Conheci a Rita Rueff Lopes pelo seu blog – As receitas da avó Bela e outros voos – um espaço que estava para ser “só” um blog de receitas, mas que ganhou vida própria, como diz a Rita. Ainda bem, porque foi assim que pudemos descobrir como a cidade onde escolheu viver, Barcelona, a vai encantando. Uma cidade que prima pela diversidade, quer em termos humanos quer em termos arquitectónicos.
Para além dos encantos que lhe trouxe a maternidade, percebemos as descobertas que vai fazendo pela capital da Catalunha, para onde se mudou este ano. Entre algumas rubricas engraçadas que ela mantém no blog (a Rita diz que são manias) destaco aquela em que mostra recantos e revela desconhecidos com a sua imaginação. “Mania esta de passar pelas casas e comer-lhes as janelas e as portas com os olhos. Querer saber quem lá vive e como vive. O que faz, o que está a fazer, o que pensa, o que come, come à mesa ou no sofá? Mania esta de não passar só, passar antes comigo e com os meus mil e um pontos de interrogação que constroem as histórias de pessoas que nunca vi”.
Ainda bem que a Rita tem esta curiosidade, esta imaginação e sensibilidade. São características que permitem que partilhe um roteiro de Barcelona com crianças como aquele que hoje nos traz. Por exemplo: os cafés que nos recomenda são child-friendly, como se quer, mas também são solidários. Como gostamos.
Aqui ficam as dicas da Rita para uma viagem a Barcelona com crianças.
O que é para ti o melhor de viver em Barcelona com a tua filha?
O que mais gosto aqui é da diversidade. Em termos humanos, é uma mescla muito rica de pessoas, de grupos urbanos e de culturas. E as pessoas respeitam-se e convivem com as diferenças com a maior naturalidade. Depois há a diversidade a outros níveis, como a imensa riqueza arquitectónica, tão cheia de história e de magia, de épocas tão distintas que convivem, muitas vezes, na mesma rua. Há ainda o poder escolher entre a praia e a montanha num mesmo lugar, ter a vida da metrópole, o corre-corre da cidade e a calma dos subúrbios à distância de uma paragem de metro. É viver num sítio que é tão projetado ao futuro e tão ligado às suas tradições. É poder ter o melhor de vários mundos num só sítio. Para mim é isso o melhor de viver em Barcelona.
Há quanto tempo vives em Barcelona? Houve alguma dificuldade de adaptação?
Viemos este ano para cá, e não houve qualquer problema. As pessoas são práticas, os processos menos burocráticos. Por exemplo, aqui para se ser sócio das bibliotecas municipais basta apresentar um documento de identidade e já está. Para se comprar um passe de transportes não são precisas fotos nem preencher formulários. Compra-se na máquina, tal como os bilhetes diários, com a diferença de que se introduz o número do documento de identificação para se assegurar que seja usado por uma só pessoa. O único verdadeiro desafio é a língua, que não é o castelhano. Aqui a língua oficial é o catalão, e ainda que a maioria das pessoas falem castelhano, acho que só me vou sentir genuinamente integrada quando falar catalão, que está em modo ‘work-in-progress’.
Qual é a vossa zona da cidade preferida? E porquê?
Há várias. Adoramos as Ramblas, com todos os seus turistas, pintores, homens estátua e o porto ao fundo. Também gostamos bastante de Grácia (Saída de metro – Fontana), um bairro cheio de lojas giras e alternativas, com restaurantes originais, supermercados ecológicos e pessoas interessantes. O Born é outra zona que adoramos, lembra o bairro alto, é um óptimo sítio para relaxar, passear e ver coisas novas. Há sempre qualquer coisa diferente no Born. Depois há o bairro gótico, com toda a sua aura romântica e medieval ou a feira de Encants Vells, uma espécie de feira da ladra mas com três andares onde nos divertimos muito a ver antiguidades e velharias.
E qual é a melhor zona para, quem for a Barcelona de visita, procurar uma guesthouse ou um hotel?
Já que Barcelona está tão bem servida em termos de transportes públicos valerá a pena sair um pouco do centro. Como viemos logo para a casa que arrendámos não posso falar por experiência própria, mas existem dois bed & breakfast, o Ana’s Guest House e o Imagine que têm reviews excelentes e, como são negócios familiares, são geridos com todo o cuidado, amor e atenção.
Escolhe, por nós, um café, um museu e um parque ou jardim por onde valha a pena passar.
O café seria sem dúvida o Mescladís, que fica na Plaza Sant Pere del Casc Antic. É um projecto social, sem fins lucrativos, que tem como missão integrar social e laboralmente emigrantes, exilados, e pessoas em risco. Além de ter snacks e refeições muito boas, todos os produtos são de origem local e/ou biológica. Fica numa praça bastante solarenga e está decorado com objetos curiosos, brinquedos antigos e revistas de há décadas. Vamos lá praticamente todas as semanas. As pessoas que servem são precisamente as que estão a ser reinseridas e aprende-se muito a observar a sua esperança. Também não é raro aparecerem por lá músicos e um simples café acabar num concerto, com todos os clientes e empregados a cantar e a aplaudir.
Quanto ao museu, como o pai da casa é designer, visitámos recentemente o Museu del Disseny de Barcelona e adorámos! Tem exposições variadas e está agora com a ‘melhor exposição de design do ano’, gratuita. É genial tanto para os adultos como para as crianças ver que a criatividade não tem limites e como objetos de toda a vida podem ser reinventados. O museu Picasso também é muito bonito e as crianças tendem a ficar encantadas com o museu de cera (obrigatório visitar também o café do museu) que fica na rambla catalunha.
Quanto ao parque, se há crianças, têm de ir ao Parque de la Ciudadela, que fica ao fundo do Arco do Triunfo. Para além de lagos com patos, barcos a remos e relva a perder de vista, tem um parque infantil comunitário que é parte da nossa rotina. Todos os pais contribuem para a organização do mesmo, as crianças brincam com brinquedos reciclados, há cozinhas em miniatura feitas com caixotes reaproveitados, nos dias de mais calor enchem-se alguidares com água e elas chapinham nuas pela lama… É um conceito muito livre e saudável de deixar as crianças ser crianças.
Costumam almoçar ou jantar fora? quais são os restaurantes mais child-friendly da cidade?
Sim, todas as semanas. Nunca tivemos uma má experiência em termos de child-friendliness, mas posso adiantar aos pais de bebés que se preparem para a falta de fraldários. É um mal espalhado por toda a cidade! De resto, Barcelona, à semelhança de Lisboa, é uma cidade que acolhe e recebe bem as crianças nos restaurantes, independentemente de se estar a almoçar ou a jantar. Para experimentar algo realmente típico sugiro Los Caracoles, aberto desde 1835,que está na Calle de los Escudellers (Bairro Gótico). No mesmo bairro, a uns metros de distância, fica o Vegetalia, um restaurante vegetariano muito bom que tem um parque infantil mesmo em frente (touché!). Para uma refeição que seja barata e boa (menus completos a 10.90 euros, com dois pratos, sobremesa e bebida) sugiro o Les Quinze Nits, na Plaza Real. Para tapear genuinamente e de forma não turística gostamos de ir ao Dune, que fica em Carrer Secília, perto do Arco do Triunfo.
Como é a rede de transportes públicos? É segura?
Sim, é segura e pontualíssima. Nós desde que viemos para cá que abolimos o carro e só andamos de bicicleta e transportes públicos. Nunca tivemos nenhum problema. Claro que há cuidados básicos a ter, sobretudo em horas de ponta, tais como mochilas viradas para a frente, carteiras bem guardadas, atenção aos telemóveis …
E tens alguma dica para tornar esta passagem por Barcelona um pouquinho mais barata, isto é, alguma dica para poupar dinheiro?
Para quem quer comer fora com crianças, são de aproveitar os menus diários, que trazem sempre dois pratos e sobremesa. É bastante comida que se pode perfeitamente repartir. Comprar bilhetes diários de transportes (ou os de 10 viagens), pois os singulares ficam bastante mais caros. Estes bilhetes, que se compram em máquinas no metro, também podem ser usados nos autocarros e o melhor é que cada viagem tem a validade de uma hora, ou seja, se picar no metro e depois picar no auto-carro (dentro do espaço de uma hora) só gastei uma viagem. Arrendar um apartamento em vez de um quarto de hotel também ajuda muito, para preparar as refeições e comer em casa ou levar na mochila.
Imagina que só temos dois dias. Consegues desenhar um pequeno roteiro que nos indique como devemos aplicar o nosso curto tempo?
Dois dias em Barcelona dá para tanta e para tão pouca coisa. O que mais atrasa são as filas imensas para se entrar em qualquer lugar turístico, sobretudo no verão. A Sagrada família chega a ter filas de duas voltas ao edifício na época mais alta e viajar com crianças requer fluidez e tudo menos estagnação. Mas neste roteiro improvisado nós íamos ser positivos e ter muita sorte com os sítios escolhidos. Então cá vai: no dia 1 sairíamos cedo e íamos direitos à Praça Catalunha. Depois seguíamos pelas ramblas, passávamos pela boqueria (um mercado enorme giríssimo) e, quase ao final, entrávamos pelo bairro gótico. Com as paragens previsíveis nos parques infantis, lá íamos vendo a catedral de Barcelona, a praça de São Tiago (Sant Jaume) e o bairro judeu, e as crianças saíam com uma verdadeira lição de história. É sempre mais cativante quando se aprende sobre o passado de uma terra nos sítios exatos onde episódios importantes aconteceram. Se ainda tivessem energia íamos ao museu Picasso e depois almoçávamos.
Depois de almoço íamos conhecer a parte marítima de Barcelona, apanhávamos o metro, por exemplo, até Barceloneta (que é a que tem mais acessos a nível de transporte) e andávamos livremente pela areia, a saborear a temperatura mediterrânica das águas. Barcelona tem sete praias, cada uma diferente, mas todas muito bem preparadas para receber famílias. Têm chuveiros, casas-de-banho, cafés, guarda-sóis, e por aí fora. O final de tarde seria passado em Vila Olímpica (entre Barceloneta e Nova Icária) que foi restaurada para os Olímpicos de 92 e tem a grande escultura do peixe, de Frank Gehry. Esta zona tem vários sítios giros e bons para relaxar e comer mas, caso as crianças ainda quisessem gastar energia, apanhavamos o metro até ao arco do triunfo de onde, após as fotos da praxe, caminhávamos até ao Parque de la Ciudadela (em catalão Parc de la Ciutadella). Este parque descobre-se por si, e o ideal mesmo seria trazer umas sandes e jantar por lá, sentados na relva. As crianças iam adorar ver a estátua do mamute, a cascata, e andar nos barcos a remos. Cansados, dávamos por terminado o dia 1. Acho que ninguém aguenta muito mais.
No dia 2, acordávamos cedo para ir ver a Sagrada Família. Não era preciso entrar, mas ir a Barcelona sem passar por lá não é ir a Barcelona. Depois rumávamos ao Parque Guell, desenhado por Gaudi (o arquiteto modernista mais famoso da Catalunha), construído entre 1910 e 1914. Para quem não conhece a obra de Gaudi, será bom ler um pouco antes de ir, para passar informação às crianças que vão estar absorvidas pela magia e cor deste lugar. E isto já é programa para durar uma manhã! Tirava umas sandes da mochila e comíamos por lá, novamente sentados na relva qual família von Trapp. Depois seguíamos para o Tibidabo, uma montanha altíssima de onde se tem das melhores e mais abrangentes vistas da cidade de Barcelona. Pode ir-se de funicular, uma experiência única que miúdos e graúdos não vão esquecer. Uma vez lá em cima há muito para fazer e explorar. Há uma igreja lindíssima, o templo do Sagrat Cor, que demorou 60 anos a ser construída. Quem não tiver vertigens pode subir pelas suas torres e ver a imensidão e o absoluto do espaço que as rodeia. No Tibidado também há um parque de diversões que todos adoram, é o mais antigo de Barcelona.
Depois do Tibidabo terminava o dia na Praça de Espanha, que liga várias e importantes avenidas e tem o Palau Nacional e o espetáculo de luzes e música da famosa Fonte Mágica de Montjuic (outono/ inverno: sexta e sábado das 19:00 às 21:00. primavera e verão: quinta a domingo das 21:00 às 23:30) que dura cerca de 15 minutos e se repete a cada meia-hora. Acabávamos assim o 2º dia em festa e, cansados, jantávamos e regressávamos a casa.
Qual é a tua atividade cultural preferida na cidade? e a da tua filha?
Nós gostamos bastante de descobrir as atividades culturais que vão surgindo. Barcelona está cheia delas. Há sempre concertos, mostras de cinema, pintores de rua, artes performativas. Esta cidade respira cultura. A minha filha tem dois anos mas posso adivinhar que as suas actividades culturais favoritas estarão ligadas à música e à dança.
Tens alguma sugestão para quem queira fazer compras? onde é o melhor sitio para comprar coisas para crianças? e, já agora, para as mães e para os pais?
Os meus sítios favoritos estão no Born e em Grácia, tanto para adultos como para crianças. Lá encontram-se várias lojas de artesãos locais, espaços familiares, objetos originais e a qualidade de peças feitas de forma sustentável e com dedicação.
Obrigada, Rita!
Sandra Andreso diz
Excelente partilha!
Já agora Luísa: parabéns por esta nova ‘rubrica’, direcionada especialmente às crianças.
Gosto muito muito!
Bjinhos