Conduzir pelo estado de Western Australia é quase como fazer uma travessia no deserto. As estradas são infinitamente rectilíneas, o solo é plano, o clima árido, não se vê vivalma à excepção de um ou outro condutor de autocaravanas ou road trains – camiões de mercadorias com dezenas de metros de comprimento -, e (já aqui o dissemos) é preciso percorrer centenas de quilómetros para ligar dois pequenos pontos que merecem menção no mapa de estradas. É, ainda assim (ou por isso mesmo), uma zona deslumbrante para visitar.
A começar pelos cangurus. Ao alugar a campervan que serviu de casa e carro durante a nossa passagem pela Austrália, a simpática funcionária da empresa de rent-a-car avisou de pronto: “se virem um canguru na estrada não guinem o carro de forma brusca, que ele é muito alto e capota facilmente; o melhor é seguir em frente e bater no canguru”. A imagem preocupou-nos, mas foi o prenúncio do que encontraríamos norte acima: vida selvagem.
Estávamos, aliás, a caminho de Shark Bay, uma área no litoral australiano que a UNESCO descreve como “da maior importância zoológica”, ao ponto de a classificar como Património Mundial da Humanidade. É verdade que mais de 70 por cento dos 2,2 milhões de hectares que integram a zona classificada estão localizadas em pleno oceano, mas muita da diversidade animal que a UNESCO destaca é visível a partir da costa. A começar pelos estromatólitos de Hamelim.
A lagoa de Hamelim é um dos raros lugares do mundo onde ainda é possível encontrar estromatólitos, seres vivos microscópicos que crescem ao bonito ritmo de um centímetro a cada 30 anos. A Pikitim não escondeu a sua surpresa – nem os pais, há que admitir – quando percebeu que aquilo que pareciam pedras redondinhas dentro de um lago com águas transparentes eram, afinal, os seres vivos mais antigos que habitam o planeta Terra. “É verdade que eles viveram no tempo nos dinossauros?”, perguntou, desconfiada.
Consta que alguns estromatólitos vivem em Hamelim há 3,5 milhões de anos, sobrevivendo por tão longo período de tempo devido à elevada salinidade das águas, facto que afastará os seus predadores naturais. Foi uma Pikitim muito atenta que ouviu as explicações que lhe íamos dando com recurso à leitura das palavras de Stumpy, o “estromatólito anfitrião” dos painéis informativos existentes no passadiço de madeira que nos permitia ver, de muito perto, os verdadeiros “familiares” de Stumpy no oceano.
O facto das “pedras” não serem pedras já era motivo de espanto, mas a Pikitim ficou ainda mais surpreendida quando as palavras de Stumpy sugeriram que reparássemos nas bolinhas de ar que existiam na água. E explicava que elas eram provocadas pela respiração dos minúsculos estromatólitos, “os primeiros seres vivos a libertar oxigénio para o planeta”. A conclusão surgiu rápida e naturalmente: “É inacreditável, estas pedras respiram como nós”.
A dedução tem toda a lógica. Olhando para o oceano, é impossível negar que os estromatólitos parecem, de facto, pedras. Sem as explicações de Stumpy ou outra sinalética informativa, nem nós saberíamos que aquelas “pedras” eram seres vivos.
Um pouco mais a norte, já perto da cidade de Denham, foi construído um miradouro para observar outro tipo de animais. Chama-se Eagles Bluff, e fica no alto de uma costa escarpada com vista para uma baía de águas rasas e rica em ervas marinhas. Consta que em Sharks Bay existe um dos maiores prados de ervas marinhas do mundo, e talvez isso explique a presença da maior população de dugongos do planeta. Avistá-los a olho nu era o principal objectivo da nossa paragem em Eagles Bluff. Mas, com o Inverno a aproximar-se a passos largos do sudoeste australiano, as criaturas tinham já começado a rumar para águas mais quentes e, por isso, nem um dugongo vislumbramos. Nem tartarugas. Apenas um tubarão-bebé, patrulhando as águas esverdeadas da baía. Pecúlio curto para as expectativas criadas na Pikitim. Ao contrário de Monkey Mia.
Reza a história que, na década de 1960, um casal de pescadores começou a alimentar um grupo de golfinhos sempre que regressavam da faina. Aos poucos, a presença dos golfinhos junto à praia foi sendo notada e os visitantes começaram a aparecer em Monkey Mia para os observar. Foi então construído um Centro Informativo e hoje, o Departamento do Ambiente e Conservação, que gere os parques naturais australianos, leva a cabo um programa de alimentação com regras bem definidas e restritas, por forma a garantir que os golfinhos permanecem selvagens e não dependentes (isto é, continuam a procurar comida em alto-mar), sem defraudar por completo as expectativas dos muitos visitantes que ali acorrem diariamente. Para a Pikitim, a esperança de “dar comidinha” a golfinhos era enorme.
Na manhã em que visitamos Monkey Mia, aconteceram duas das três possíveis sessões de alimentação. Para além de uma família de emas e uns quantos pelicanos, estariam no areal umas cinquenta pessoas. Apenas cinco golfinhos são alimentados em cada sessão, mas a Pikitim não poderia ter tido mais sorte. De ambas as vezes, foi uma das “voluntárias” escolhidas para se aproximar de um golfinho específico e colocar-lhe um peixe na boca. Ficou delirante. Depois de ter visto “pedras” que respiram e um tubarão-bebé à distância, dar de comer a golfinhos foi a cereja no topo do bolo. De surpresa em surpresa, Western Australia tem feito por justificar cada quilómetro percorrido. Alguém falou em deserto?
fatima soares diz
Momentos inesquecíveis para a Pikitim. Nós adultos, só a ler ficamos encantados imaginem se a vivê-los
Boa continuação de viagem
sandra diz
Que fofa
francisca nemésio diz
Fantásticas descrições que nos fazem sonhar com outras paragens tão diferentes e ricas!