Quando convidei a Ana Pedrosa a responder a algumas perguntas sobre as suas viagens em família, ela disse-me que até nem era muito viajante. Modéstia dela. Ela é das que viaja muito, e viajar sem filhos nunca foi opção. E é uma repórter e uma cronista talentosa. Por estes dias, podemos lê-la na Papel. E podemos conhecê-la melhor aqui. Vale bem a pena.
Ana Pedrosa
- Idade: 46
- Profissão: Repórter
- Nº de filhos: 2
- Idades: 9 e 12
- Destino de sonho: Tenho uma enorme dificuldade em fazer listas que se mantenham imutáveis. Sonho com o sítio onde vou a seguir. Para lá disso, hei de mudar mil vezes de ideias. Deixo, por isso, que aqui sejam os meus filhos a responder. Ela, uma lista que vai crescendo com os anos: Inglaterra rural, Alasca, Finlândia, Egito. Ele, apaixonado por mergulho: “uma ilha com casas em cima da água”. Já várias vezes me pediu que perguntasse aos pais da Pikitim quais os melhores lugares para levar uma criança a mergulhar.
- Filme preferido: Outra questão difícil. Como aqui se fala de viagens terei, sem dúvida, de mencionar Urga, de Nikita Mikhalkov, que foi decisivo para a nossa vontade de conhecer a Mongólia. Comovo-me imenso sempre que o revejo, tal como me comovi quando lá estava.
- Livro de viagem preferido: A arte de viajar, de Alain de Botton, uma reflexão muito interessante sobre os motivos que nos levam a querer sair de casa, as alegrias e desilusões, e forma como olhamos para as coisas que nos são estranhas.
- Blog: The Quality Times
Qual é a primeira coisa que te vem à cabeça quando te falam em viajar com crianças?
Nada em particular. Por vários motivos, para nós viajar sem as crianças nunca foi uma opção, por isso viajar com crianças é sempre sinónimo de simplesmente viajar. E viajar significa partir à descoberta, seja de um país longínquo ou de uma aldeia próxima. Em todo lado há sempre mundos desconhecidos que se nos revelam.
O que é o melhor de viajar com os filhos?
Os laços que se reforçam, seja entre nós como família, como entre os irmãos. Têm uma vontade enorme de mostrar algo que descobrem ao outro, falam imenso entre eles, relembram-se de jogos que só fazem em viagem. E depois tudo o que fica: as memórias do que viram e fizeram, as pessoas que conheceram, as comidas que provaram; todas as vivências que se lhes entranham na pele e passam a fazer parte da sua personalidade.
Como mãe, é muito recompensador ver como isso os faz crescer por dentro, como ficam mais curiosos, sempre com vontade de aprender mais, de conhecer novos países e costumes.
Agora que são mais crescidos, é bom ver o entusiasmo com que participam na elaboração de uma viagem, pesquisando sítios e dando sugestões.
E o pior? Ou o mais difícil?
Fora os custos, não há nada que considere particularmente difícil de ultrapassar. A nossa filosofia foi sempre a de não lamentar aquilo que não poderíamos fazer com eles por perto, mas aproveitar a sua presença para fazer as coisas de outra forma. E há imensas coisas que fizemos por causa deles, que acabaram por se tornar muito divertidas, como a tarde de chuva passada a pescar (e que resultou num belo jantar), ou uma fogueira na praia feita com madeiras trazidas pelas ondas.
Qual foi a primeira viagem que fizeste com eles? Tinham que idades?
Comecei a habituá-los bem cedo, ainda grávida. Depois, quando nasceram não esperei muito para sair. Com um mês o nosso filho mais novo já fazia férias connosco, dormindo à sombra enquanto divertíamos a irmã na piscina. E a mais velha sempre nos acompanhou em reportagem. Mas, se considerarmos uma viagem aquela em que se atravessam fronteiras, a mais velha acompanhou-nos numa viagem de carro até o sul de França, onde fez um ano. Por coincidência, o mais novo celebrou também o primeiro aniversário fora, em Menorca. Penso que é por isso que hoje são aquilo a que chamo de “viajantes todo-o-terreno”.
As viagens são programadas com muita antecedência? Quais são as prioridades no planeamento?
Começamos a pensar na viagem vários meses antes mas, por feitio, vamos deixando as coisas práticas mais para o fim. Por uma questão de custo, tentamos reservar as passagens aéreas com alguma antecedência, o resto só quando a data de partida se aproxima. Normalmente, também não há muito a tratar: as primeiras noites no local de destino, eventualmente o aluguer de um carro. Viajamos com eles como sempre fizemos sozinhos: com muita liberdade, deixando que o acaso decida o dia seguinte. A única preocupação é de passar mais tempo em cada sítio, porque o ritmo deles não se coaduna com correrias.
Já viveste algum susto ou tiveste algum contratempo em viagem?
Além de umas febres passageiras, nunca aconteceu nada de grave com eles. O susto maior tive-o quando estava grávida de seis meses do meu segundo filho, e logo na primeira noite na Sicília fui parar ao hospital com uma cólica renal. Fiquei hospitalizada cinco dias, e depois resolvemos regressar a Portugal, porque tínhamos intenção de acampar e não me encontrava em condições para isso.
Depois, numa viagem de três semanas a Cabo Verde, o nosso filho, que tinha quase dois anos, perdeu o apetite. Só comia Papa Cerelac, iogurtes e salsichas de lata. Recusava comer tudo o resto, mesmo que a comida fosse semelhante à de Portugal. Como ele se mostrava bem e feliz não nos preocupámos muito. Depois de regressarmos, o pediatra disse que era normal isso acontecer a crianças pequenas, quando mudavam de ambiente. Quando chegou a casa comeu uma pratada de massa com molho pesto e voltou ao normal.
Na mesma viagem, por causa de um atraso tivemos de passar 8 horas no aeroporto do Sal, que não tem nada para ver ou fazer. Ainda por cima estava a chover, o que impedia de sair dali. Ainda me lembro bem de tudo o que fiz para os entreter.
Dá-nos exemplos.
Numa das brincadeiras, coloquei-os num carrinho de bagagem e desafiei-os a colocarem-se numa posição diferente sempre que passassem pelo pai, que estava sentado a ler. Creio que dei mais de 20 voltas, com eles a trocarem de posição, a levantarem os pés, a torcerem-se de formas estranhas. Depois colocaram uns sacos de papel na cabeça e dançaram, tal como tinham visto em S. Vicente, Fogo, uns dias antes, num ritual noturno que os impressionou imenso. Vimos todos os placares, todas as fotografias que havia para ver, imaginando histórias. Ainda hoje adoram fazer isso: descobrir palavras nas matrículas, inventar significados para siglas, raramente se aborrecem. Costumo dizer que o item mais importante a levar em viagem é a imaginação.
Viajavas mais vezes antes de teres filhos? Com que frequência viajas agora?
O que mudou não foi o antes ou depois de ter filhos, foi o facto de eles começarem a ir para a escola. Por causa do calendário escolar, estamos agora muito mais condicionados. Quando eram pequenos optávamos sempre por viajar nos meses mais calmos, quando tudo é mais barato, há menos gente e frequentemente o clima é mais favorável. Agora temos de nos restringir às duas semanas do Natal e da Páscoa e de escolher bem os destinos para viajar no verão. Os custos também têm agora uma grande influência na altura de escolher os destinos mas, como sempre viajámos de forma low-cost, as coisas acabam por se resolver.
O que acreditas que vai ficar mais a memória das crianças?
É sempre uma incógnita, porque eles não valorizam as mesmas coisas do que nós. É mais provável que se lembrem do aspeto e sabor de uma guloseima ou da localização de um parque infantil do que de um monumento ou paisagem. Outras vezes surpreendem-nos com informações a que julgávamos que tinham dado pouca ou nenhuma importância. Com cinco anos, a nossa filha encontrou um pedaço de basalto na praia de Espinho e disse logo que era igual à pedra que tinha visto no vulcão da ilha do Fogo, em Cabo Verde. Tinha passado mais de um ano. Normalmente, também se lembram dos amigos que fizeram pelo caminho. E depois tanto falam das carruagens do metro de Oslo, como das cobras que viram na Praça Jemaa El Fna, em Marraquexe. Fica também sempre a memória dos cheiros: quando faço comida marroquina ou bolachas de gengibre, aliam sempre o aroma a um sítio onde estiveram.
Que dica ou conselhos podes partilhar com quem esteja a pensar em viajar com os filhos?
Relaxar é o mais importante. Há pais que, antes de saírem, já estão preocupados com o que vai acontecer: se eles vão dormir bem, adaptar-se à comida, desaparecer no meio da multidão. Outros que, ao mínimo sinal de febre ou de choro desconfortável, antecipam o regresso a casa. Fazer uma viagem com crianças não tem de ser mais difícil do que sair com eles durante um fim de semana, ou ficar em casa. Há momentos em que se vão aborrecer, mas a maior parte do tempo estarão distraídos com as coisas novas. É importante também adaptar as expectativas e prever mais tempo em cada local. Trocar o restaurante conceituado por cachorros-quentes comidos à beira-rio. Trocar o périplo pela Europa por uma estadia prolongada em dois ou três lugares. Uma coisa de que nunca me esqueço é levar papel e canetas ou lápis de cor; qualquer espera se torna mais leve quando se pode jogar ou desenhar o que se viu durante o dia. E muita música para as viagens de carro. Mas é importante que os pais não abdiquem daquilo que gostam. Só têm de arranjar forma de entusiasmar as crianças – mesmo que eles arrastem os pés no início de um passeio pedestre, dali a nada são eles que correm à nossa frente.
Qual é o vosso próximo destino?
A Islândia, um país que já conhecemos mas sempre quisemos partilhar com os nossos filhos.
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