Na manhã do primeiro dia limitou-se a perguntar: “Esta casa tem televisão, mãe?”. A casa tem. Tinha. Havia uma, na sala de uma casa de quatro quartos, onde passamos uma semana com um grupo de amigos, no lugar da Santa, freguesia de Carvalhais. Mas a Pikitim não perdeu tempo a esperar pela resposta e aceitou o meu silêncio como se a resposta fosse um não. “Que casa estranha”, rematou. A verdade é que não voltou a perguntar por ela. E suspeito que nem se lembrou mais disso.
Estivemos em Carvalhais durante a primeira semana de agosto pela mesma razão que acorrem milhares de portugueses e estrangeiros (muitos, muitos) àquela freguesia de São Pedro do Sul. Levámos a Pikitim pela segunda vez ao Andanças. E, se no ano passado, ela só lá esteve três dias (e ainda hoje se lembra tão bem deles), este ano decidimos que haveríamos de assentar arraiais em Santa, e aproveitar a semana toda. E não foi porque tivéssemos estudado o programa em profundidade. Sabíamos que haveria uma programação específica para crianças, com uma agenda preenchida e um mar de atividades e oportunidades. E sabemos da filosofia do festival, em como apela à sustentabilidade, ao respeito pela natureza e à partilha e redescoberta de tradições, de Portugal e do Mundo. Isso para nós chegava. Tem tudo a ver connosco.
A Pikitim cedo revelou mudanças de atitude, face ao comportamento do ano passado. Um ano na vida de uma criança é muito tempo – é diferente ir a um festival como o Andanças com três, ou com quatro anos. A personalidade começa a estar mais vincada, ou então (também pode ser isso) há apenas uma maior perceção do outro, e do eu. Talvez por isso nos tenha parecido este ano um pouco mais tímida, não se prontificava de imediato para fazer um exercício de dança ou para praticar uma atividade. Preferia sempre esperar para ver; e a verdade é que, no final, acabava, à mesma, por não esperar muito tempo. Mas revelou, isso sim, estar muito mais certa daquilo que queria fazer. Demonstrou segurança de que sabia bem o que queria, e o que lhe apetecia fazer. Mesmo que, porventura, tivesse consciência de que poderia desenhar e pintar sempre que lhe apetecesse. E que, eventualmente, soubesse que não teria muitas vezes a oportunidade de participar em ateliers de teatro num ambiente como o do Andanças, ou aprender passos de kizomba e outros ritmos africanos, como quem imita os macaquinhos ou está a subir e a descer de uma motorizada.
A Pikitim sabia o que queria. E a maior parte das vezes queria, somente, estar no carro-biblioteca. Foi simplesmente o seu lugar de eleição, em todo o recinto do festival. Passou por lá longas horas, a pintar, a desenhar, a contar e a ouvir histórias. E foram muitas as vezes que nós tentamos convencê-la a, pelo menos, ir espreitar uma tenda onde decorria um workshop, ou a abeirar-se das mesas onde decorriam ateliers de pintura, de cerâmica, de brinquedos óticos. Algumas vezes tivemos sucesso. Outras não. Não falhava o Baile das Crianças, sempre às seis e meia da tarde. Já conhecia de cor a música de abertura do baile – “Vamos dançar, dançar, não cansa… e convidar toda a gente, para a nossa festa da dança!”
Tentou os brinquedos óticos, construiu um tambor (revestindo com tecidos um velho balde de tinta), fez um livro, delirou com o jogo das fitas, assistiu a peças de teatro e a representações de circo. Mas a maior parte das vezes que nos abeirámos do carro-biblioteca, para lhe lembrar que iria começar a atividade “x”, a dança “p”, o baile “t” ou o workshop “o”, ela dizia que queria ficar a pintar.
Desta experiência, retiramos mais uma lição para a aventura que nos espera em 2012. Nós, pais, podemos ter uma viagem planeada na cabeça, até podemos tê-la programado (como estamos a fazer) tendo em conta os interesses e afinidades da Pikitim, tentando responder àquilo que pensamos serem as suas expectativas – disse-nos que gostava de ver cangurus, peixinhos coloridos, e de dormir numa casa na árvore -, mas a probabilidade de, lá chegados, percebermos que o interesse naquele momento é outro (e será um interesse igualmente louvável, entenda-se), também existe. E não tem mal nenhum.
A grande conclusão é simples: não há que ficar frustrados porque, imaginemos, se na última noite que estivermos em Singapura, e na última oportunidade de fazer a visita noturna ao mundialmente famoso jardim zoológico, a Pikitim estiver mais interessada em ficar “em casa”, a brincar com o amigo mais recente [ainda não referimos que a Pikitim adora fazer amigos, quando trava conversa com uma criança tem pouca vontade de a “largar”]. Não há, pois, que ficar frustrados se a não conseguirmos convencer, porque esta é, também, a viagem da Pikitim.
Não há de ser sempre a viagem que nós pensamos que ela iria gostar de fazer. Da curta passagem pelo Andanças no ano passado, chegamos a pensar que ela não iria querer sair das tendas. Isto porque nos pareceu que a experiência foi marcante, de tantas vezes ela ter falado da “tenda às riscas vermelhas” onde, em 2010, a companhia Amálgama a pôs a dançar sem parar no seu atelier de Dança Criativa para crianças intitulado “Acordar o Sonho”. Ergue os braços no ar, e começa a repetir a história: “e o vento soprava no ramo das árvores, e os ramos balançavam, balançavam…”. Este ano também participou em algumas. Notou-se, ainda, uma maior curiosidade em assistir aos espetáculos dos “adultos”. Ficou fascinada com a dança do ventre, fartou-se de dançar num concerto do grupo Origem Tradicional, queria sempre ir ver todas as tendas antes dos concertos da noite começarem, e mostrava-se irritada quando as tendas ficavam muito cheias e já não tinha espaço para dançar à roda, ou brincar com as suas fitas.
A Pikitim quis fazer muita coisa. E só não fez mais porque o cansaço não deixava: se assim não fosse, com toda a certeza nos acompanharia em todos os serões musicais. Mas nunca mais quis ver televisão. Passou a semana toda sem ela. E isso foi uma excelente notícia.
Verônica diz
Olá,
Adorei o passeio que vocês programaram, bem divertido com certeza, será um grande aprendizado para ela. Achei bacana que a Pikitim já aprendeu a brincar com as fitas de malabares – eu demorei a pegar prática e olha que já sou grande rsrs.
Abraços,
Verônica