Estava um céu carregado, escuro, cinzento. E estava muito quente, abafado, húmido. “Que calor! E ainda é de noite”, resmungou a Pikitim, à saída do aeroporto internacional de Fort Lauderdale, na Florida, ainda estremunhada pelo sono interrompido com a aterragem do avião. Quando o dia começou a nascer, estávamos já dentro de um carro alugado a caminho de Miami Beach. O céu continuava carregado, escuro e cinzento e começou a ribombar e a desfazer-se numa chuvada intensa. De repente, a Pikitim assemelhou-se aos gauleses da aldeia de Astérix, com medo que o céu lhe caísse sobre a cabeça. “Nunca pensei que pudesse chover assim! Como é que tu consegues conduzir? Não é melhor parar, pai?”, sugeriu, receosa. “Afinal, aqui é Verão ou Inverno?”, questionou, surpresa pela ausência de sol.
“Aqui é sempre Verão”, disse-nos o cubano Juan à porta do hotel. Nessa altura, já o clima convidava a passeios: “É domingo, há um mercado de rua muito bonito, onde também se pode comer”, recomendou por sua vez Vanessa, uma argentina a trabalhar no mesmo hotel, sugerindo que nos dirigíssemos à Lincoln Road, uma rua transformada em centro comercial ao ar livre numa das zonas mais centrais de South Beach. Fomos confirmar.
Em South Beach, encontramos uma mescla de bancadas de antiguidades, roupa em segunda mão e copos de fruta acabada de espremer. E muita gente bonita. A Pikitim espantou-se:
“E então, ninguém fala inglês? Já não estamos na América?”. Na verdade, ouvir falar “gringo” (o termos usado pelos latinos para se referirem aos norte-americanos) era uma raridade. Já notáramos isso em toda a Califórnia, um Estado bilingue onde uma boa parte da população comunica em espanhol. Mas, na Florida, para além de ser muito fácil encontrar cubanos, uruguaios e argentinos, enfim, gente de espanhol falante, era impossível não reparar que se ouvia também – e muito! – falar português. Português cantado, com sotaque de festa. Português do Brasil.
Sim, os brasileiros estão apaixonados por Miami. Não tanto pelas praias ou clima de Miami, mas sim pelas lojas de Miami. Embalados por uma pujança económica sem precedentes em várias décadas, os brasileiros viajam e compram e gastam. A economia local devolve esse “carinho” com entrega e dedicação, contratando funcionários brasileiros para o comércio e restauração.
A Pikitim andava deliciada. Entrava em qualquer sítio e quase podia escolher em que língua iria falar. Começava com o inglês tímido, passava rapidamente para o espanhol rudimentar mas desenrascado – “Hi! Yo me chamo Inês, e soy de Portugal! E estou viajando há muito tempo, mas estoy quase a ir embora” -, depois saltava para o português e assim contava a quem quer que lhe perguntasse quem era e para onde ia. Sentia-se quase em casa e tinhas razões para isso – e não era só por causa da língua. O regresso ao conforto do seu quarto e aos seus brinquedos há muito tempo distantes estava cada vez mais próximo.
Após a desistência de visitar o Parque Nacional de Everglades, quando fomos alertados pelos anfitriões que a temperatura nos pântanos estava perto do insuportável e que, nesta época, “os mosquitos não se aguentam”, decidimos programar uma incursão até às Florida Keys, um arquipélago em pleno mar das Caraíbas com ilhotas ligadas por uma estrada contínua e pontes mar adentro, num percurso de mais de 180 quilómetros ao longo da chamada Highway Overseas. Mostramos à Pikitim as imagens que revelavam um interminável tabuleiro de estrada, no meio do mar, algo parecido com uma passagem aérea para o horizonte e as nuvens. Funcionou. Aquela imagem captou o seu interesse: “Posso atravessá-la a pé?”, pediu. Fizemo-nos ao caminho – era o último dia desta volta ao mundo em família.
Enquanto o carro ia devorando os quilómetros da estrada – ou milhas, como se usa contabilizar nos Estados Unidos da América – e o percurso ia avançando mar adentro, fomos reparando no facto de, em alguns locais, haver mais do que uma ponte velha paralela àquela que atravessávamos. É o caso da Seven Mile Bridge, construída no início do século XIX e que, a seu tempo, foi considerada a mais longa do mundo. “Aquela ponte ficou velhinha e tiveram de construir uma nova, não foi?”, indagou a pequena, quase acertando na resposta. Na verdade, mais do que a idade, foram as tempestades e furacões, muito comuns na região,que lhe traçaram o destino. Hoje em dia está “estragada” e “tem buracos”, como reparou a Pikitim, mas não deixa de ser “uma ponte mágica”, já que até árvores crescem no seu tabuleiro. “Como é possível haver uma árvore na estrada se ali não há terra? É um mistério, não é?”, deixou no ar, com a sua habitual curiosidade infantil, a caminho de Key West.
A pequena ilha de Key West é uma das jóias da coroa do arquipélago, composto por umas impressionantes 1.700 ilhas e ilhotas de ambiência caribenha. Mais do que isso, mais do que um local popular entre turistas e preços inflacionados, Key West é o ponto final na estrada das Florida Keys. Um beco sem saída. O ponto a partir do qual é preciso regressar. Regressar – a palavra começou a ecoar nas nossas cabeças. Ao final da tarde do último dia de viagem, uma multidão concentrou-se em Mallory Square, a praça central de Key West, para apreciar a suave descida do astro-rei mergulhando nas águas quentes das Caraíbas. Para a Pikitim, foi o último pôr-do-sol longe de casa. Foi o fim da estrada. A escola e os amigos estavam para lá do horizonte, a apenas um voo de distância.
Marcelo diz
A Flórida é realmente muito bonita. Um lugar muito bonito e com muitas coisas para fazer e se divertir. Fomos para Key West na viagem que fizemos para Miami e a praia é linda e tem ótimos lugares para comprar coisas.