A Pikitim sabe se estamos em dias de semana ou fim-de-semana pelo facto de lhe dizermos que tem ou não de “trabalhar” – que é como quem diz fazer as fichas de trabalho enviadas pelos professores da sua escola em Portugal. E, claro, há muito que sabe que depois da segunda-feira vem a terça, seguindo-se a quarta e logo de seguida a quinta-feira… e por aí fora. Mas naquela quarta-feira era diferente.
Era o último dia passado em Samoa e quisemos avisá-la que o dia iria ser vivido duas vezes. Que iríamos para o aeroporto já muito à noitinha (o voo era à uma da manhã de quinta), que iríamos dormir no avião e que, quando chegássemos às ilhas Cook no dia seguinte, depois de esperarmos algumas horas no aeroporto de Auckland, iria ser outra vez… quarta-feira.
Poderia até parecer coisa importante, mas a Pikitim não se mostrou minimamente interessada. A sua reacção reteve-se noutro aspecto: “Auckland? Isso não é na Nova Zelândia?! Vamos lá voltar de novo? Yesssss!”. Nesse momento, muito mais importante que atravessar a linha do tempo era saber se ia regressar ao país de que tanto gostou. Infelizmente, Auckland era apenas uma escala entre voos, mas ainda assim tivemos de lhe responder que sim, que iríamos voltar à Nova Zelândia, porque as ilhas Cook também pertencem ao país, apesar de estarem tão longe de Auckland. “Assim como a Nova Caledónia é França e os Açores são Portugal?”, respondeu, perguntando. “E nas ilhas Cook as paisagens são tão bonitas como na Nova Zelândia?”, insistiu, intrigada. “É isso mesmo que vamos descobrir”, respondemos.
As paisagens não são – nem poderiam ser – iguais às da Nova Zelândia, tal a diferenças geográficas ente os dois territórios. Mas também são muito bonitas. Foi na ilha de Rarotonga, aliás, que encontramos as praias mais parecidas com os bilhetes-postais imaculados que povoam as imagens promocionais do turismo no Pacífico Sul. Águas incrivelmente verdes e transparentes, areias alvas e finíssimas e uma vegetação luxuriante. E isto sem visitar a ilha de Aitutaki, abrigo da mais badalada lagoa do arquipélago e famosa por conquistar visualmente o viajante mais exigente, mas demasiado antipática para o nosso orçamento. Ainda assim, a Pikitim estava deslumbrada com as praias que ia vendo ao longo de toda a costa de Rarotonga, conhecidas em duas voltas à ilha montados em scooters alugadas.
O que mais a deslumbrou, para além da transparência da água e da abundância de peixinhos coloridos foi a possibilidade de ver muitas estrelas-do-mar “gigantes e azuis” em lugares como o ponto Fruits of Rarotonga, no sul da ilha, não muito longe da turística povoação Muni. “Posso pegar numa?”, perguntou, sem esperar pela resposta: voltou a colocar a máscara de snorkelling na cara e afundou os braços sem grandes dificuldades, já que a profundidade também era pouca. “São duras! No mar há muito animais bonitos, não achas?”, concluiu com simplicidade.
Apesar das praias lindas, das águas quentes e calmas e da fauna variada, a insaciável curiosidade da Pikitim haveria de ser melhor alimentada num mini-museu do que dentro da água. E isto porque, desde que, no segundo dia em Avarua passamos no The Cook Islands Whale and Wildlife Centre, a Pikitim começou a pedir uma paragem quase diária no “café das baleias”. Não é um centro grande – longe disso -, mas o modesto espólio é enorme na forma como cativa as crianças para a problemática da preservação ambiental, proporcionando-lhes várias actividades lúdicas e sempre educativas em torno dos grandes cetáceos do planeta.
Foi ao folhear os livros do whale center que a Pikitim ficou a conhecer melhor as baleias-jubarte, visitantes assíduos das águas que banham Rarotonga, em especial perto do porto de Avarua.
“Nas ilhas Cook não é preciso de procurar as baleias em alto-mar, são elas que nos vêm visitar”, lê-se nos folhetos turísticos da cidade. Na esperança de o confirmar, acostávamo-nos todos os dias no alpendre da bonita casa em que pernoitamos em Avarua, na encosta de um pequeno monte e com visibilidade privilegiada para o oceano. Luísa e Jam, familiares de amigos samoanos e donos da casa em que graciosamente nos instalamos, disseram-nos que tinham visto duas baleias na semana anterior. Nós tivemos azar e, infelizmente, apesar das elevadas expectativas, não chegamos a ver baleias ao largo de Rarotonga. “Não faz mal, mãe. Eu também gosto de ver as baleias no museu. Sabes, o que eu mais gosto é daqueles ossos ernooooooooooormes da cabeça da baleia. Elas devem ser mesmo muito inteligentes – se têm um cérebro daquele tamanho, só podem ser muito inteligentes”. E assim, todos os dias voltávamos inevitavelmente ao whale centre de Rarotonga.
Foi nesse mesmo museu que a Pikitim viu de perto algumas “conchas”, daquelas em que “dorme a Ariel e todas as suas irmãs” mas que, afinal, para além de camas de sereias nos filmes da Disney são também “ninhos” onde se formam pérolas. “As pérolas são jóias, mãe?”. Sim, e demoram quase um ano e meio a crescer debaixo de água para ficarem do tamanho com que as vemos nas lojas. Apesar de ser menina e gostar de colares e pulseiras, não mostrou muito interesse pelas reconhecidas black pearls das ilhas Cook. “Mas porque é que têm de ser todas pretas? Gostava delas mais coloridas, como as sereias. Não pode haver pérolas de outras cores?”. Pode, mas noutros sítios. “Temos de atravessar a linha do tempo outra vez?”.
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