Levamos três meses de estrada nesta viagem que se desenrola aos vossos olhos, aqui no Diário da Pikitim. E, neste preciso momento, é a primeira vez que a família está separada – o pai foi dar um saltinho ao Irão, para mais uma edição da viagem Segredos da Pérsia. É também a primeira vez que estamos quase um mês num determinado lugar (neste caso em Ubud, Bali), numa espécie de intervalo da vida nómada que escolhemos viver este ano. E é ainda a primeira vez que recebemos a visita de familiares e amigos. É, pois, uma boa altura para olhar os ponteiros dos dias. Porque a partida foi há tão pouco tempo mas já aconteceu tanta coisa!
Houve novas paisagens. Praias e arquipélagos, museus e vulcões, aldeias e cidades, bichos e flores, borboletas e areia. Houve novas experiências gastronómicas e culturais. Os termos “no spicy, no hot, please!” já saem da boca da Pikitim com toda a naturalidade e, por estes dias, tem-se entretido a provocar a avó perguntando-lhe se ela não quer começar a comer com as mãos como fazem na Malásia. Houve contactos com religiões diversas – muçulmana, hindu, budista – e com tradições únicas e marcantes, como o teatro de sombras de Java ou as danças balinesas. Conhecemos muita gente. E fizemos novos amigos.
Mas também há coisas que fazem falta (como um bom bacalhau, por exemplo, ou um bom copo de vinho) e algumas sensações estranhas, como não estar presente em momentos chave da vida de pessoas que nos são importantes. É o pequeno preço a pagar por ter escolhido estar aqui, deste lado do mundo, em itinerância. Por estes dias, já nasceu a Alexandra, já soubemos da gravidez da Andreia e recebemos com muita alegria a notícia de que a Pikitim vai ter mais uma prima para brincar. Quando regressarmos a Portugal, lá para o final do ano, já a Ana Taís e a Leonor terão nascido. E, neste momento, falta pouco mais de uma semana para o casamento de um dos tios da Pikitim. Ela, que nunca assistiu a um casamento e quis saber como iria ser o dia do Zé Carlos e da Sofia, pedia ontem pormenores sobre um casamento que estava a ser preparado numa aldeia de Bali – se a noivo ia “de calças pretas, de casaco preto e uma gravata” e se a noiva ia “de vestido branco como uma princesa” ou se, afinal, já levava a pinta na testa como as mulheres da Índia.
As novas tecnologias até encurtam estas distâncias e ajudam a camuflar as saudades. Mas não as impedem – nem poderiam. Tal é válido tanto para os que ficaram em Portugal e que não vamos ver e tocar durante um ano, como para a curta ausência do pai. Se era algo a que estávamos habituados em Portugal, depois destes quase três meses de presença permanente a ida ao Irão parece um pouco mais estranha. A Pikitim resolve essa saudade com facilidade relativa: a presença do pai nos desenhos é uma constante. Aliás, nos desenhos da Pikitim a família está sempre presente, com a nuance de que nos seus desenhos há sempre um “irmão” a acompanhar-nos, revelando a vontade que nela mora de ter crianças por perto.
De resto, a Pikitim sente que o ano está “ao contrário”. Se antes passava a maior parte dos meses entre a casa e a escola e só nas férias é que ia viajar, em 2012 passa o ano em viagem e as “férias” estão a ser agora, “estacionada” durante três semanas em Bali a usufruir da presença dos avós e da visita de amigos como a Patrícia, ex-colega de trabalho na redação do Público.
É delicioso ouvir a Pikitim relatar-lhes “as muitas coisas que já fiz nesta viagem”, socorrendo-se do seu diário gráfico para desfiar o seu próprio calendário de eventos. O momento em que lhe caiu o primeiro dente, em Koh Jum, ou o corte num pé provocado por um coral morto numa praia da Malásia tem a mesma dignidade e importância da visita ao Zoológico de Singapura ou ao Museu Pambata em Manila, do encontro com o Rafael e a Tânya e do seu primeiro snorkelling, das brincadeiras com a Margarida num night market de Langkawi ou com o Lincoln em Koh Muk, ou da visita ao rio subterrâneo com a Astrid. São experiências e contactos que ela já gravou na memória e, parece-me bem, no coração.
No seu discurso de “menina crescida que já tem cinco anos”, vai referindo que “nós, os viajantes” temos muita sorte por estar a ver tantas coisas diferentes, e por ainda irmos a tantos sítios. Não fala nunca de voltar para Portugal, nunca pediu para regressar a casa. Diz que desta vez não vamos ao Brasil nem à Índia (“Mas eu quero lá ir, e a mãe já me prometeu que havemos de ir lá”!), mas que ainda vamos à Austrália e à América. Nota-se que, de algum modo, está a mimetizar o que vai ouvindo da boca dos pais.
Mas tem outras coisas totalmente genuínas, como reparar “na vida difícil” que têm os trabalhadores dos arrozais, com os pés enterrados na lama sob um sol ardente. “O arroz dá muito, muito trabalho, e é um grão tão pequenino”, disse um destes dias. Ou nas mulheres que, à porta de nossa casa temporária nos arredores de Ubud passam o dia a acartar bacias de areia à cabeça para uma obra, para trás e para a frente, qual formigas num carreiro.
“Obrigada, mãe e pai, por esta viagem, e por me estarem a mostrar tantas coisas diferentes”, ouvimos da boca da Pikitim. As sementes estão lançadas; os frutos vão nascer ao longo da sua vida.
Teresa diz
Que belo e comovente relato, Luisinha!
Muitos beijos!
Ruthia Portelinha diz
O Diário da Pikitim tornou-se um vício. Desejo-vos toda a sorte e muita aprendizagem neste ano memorável que vai, certamente, marca-vos aos três para o resto da vida.
Carmen Laura diz
Luisa, vcs me encantam a cada crônica!!! E que bela criança a filhota de vcs. Ah Pikitim, vcs virão ao Brasil, com certeza, e nós aqui estaremos, de norte ao sul, passando por Brasília, claro, para recebê-los. Bjs e boa viagem.
Luísa Pinto diz
Obrigada, Carmen! um beijão nas 3 C’s… e sim, havemos de nos encontrar em Brasília!