A expectativa era enorme. A experiência de andar numa “casa sobre rodas”estava pensada apenas para a Nova Zelândia mas, face à ausência de transportes públicos frequentes na costa ocidental da Austrália, decidimos que seria também de autocaravana que visitaríamos o estado de Western Australia – WA. Foi, por isso, difícil conter a frustração inicial da petiza, logo após entrar no Toyota que nos havia de servir de transporte e tecto nas semanas seguintes: ”oh, afinal a nossa casa é muito pequenina, isto não é lá grande coisa!”, comentou a Pikitim.
Porventura esperava um castelo de princesas ou uma “casa a sério” em movimento mas, felizmente, não demorou muito tempo a mudar de opinião. Bastou saber onde podia arrumar os brinquedos, cadernos e livros, perceber que a mercearia iria toda para “dentro de um sofá” que, afinal, era uma caixa, e que iria ter uma mesa “para escrever e desenhar” todo o tempo, enquanto o pai conduzia. Ao fim do primeiro dia, quando viu tudo transformado em cama, suspirou: “uau, isto afinal é bem confortável!”. E a desconfiança inicial ruiu de vez quando percebeu que nem precisava de sair de “casa” para assistir ao mais lindo dos filmes – aquele que a Natureza nos revela.
A Austrália Ocidental é um colosso geográfico. Por vezes, é preciso percorrer centenas de quilómetros até encontrar o próximo ponto habitado no mapa – sendo que esse ponto pode ser uma simples roadhouse, nem sequer uma aldeia, apenas um ponto onde se abastece de combustível, se descansa e, eventualmente, se pernoita. Mas o que lhe falta em população sobeja em termos de beleza natural e vida selvagem. E isso, a Pikitim aprendeu rapidamente a saber apreciar.
Temíamos que a malfadada pergunta “Já chegamos?” fosse repetida até à exaustão durante a estadia na Austrália (sim, estávamos bem avisados das enormíssimas distâncias por paisagens de quase deserto), mas a verdade é que ela nunca se ouviu desde que abalámos de Perth, a capital do Estado, rumo a norte.
A primeira paragem aconteceu em Cervantes, ponto de acesso ao Parque Nacional de Nambung. É lá que se encontra uma das paisagens mais icónicas e surpreendentes desta região da Austrália: o Deserto de Pináculos. A Pikitim deliciou-se a jogar às escondidas pelo meio dos incontáveis pilares calcários com vários metros de altura, cuja formação os cientistas não conseguiram ainda explicar totalmente. Corria, saltava, cantava, estava feliz. Depois das infindáveis brincadeiras debaixo de um sol tórrido, sempre com atenção ao solo por causa da muita bicharada venenosa que habita a região, as escondidinhas deram lugar a uma curiosidade insaciável para perceber de onde é que, afinal, tinham saído aquelas “rochas bicudas”.
No Centro de Interpretação do Deserto dos Pináculos aventavam-se duas teorias possíveis. Numa, a descida das águas de mar e a erosão do vento eram os responsáveis pelo desenho das curiosas figuras; noutra, refere-se a possibilidade dos pináculos serem, afinal, seres vegetais que fossilizaram. Para a Pikitim, não restou dúvida que a teoria certa era esta última. “Ah, então aqueles eram os troncos que se transformaram em pedra!”, comentou ao deambular, fascinada, pelo pequeno mas bem construído centro interpretativo.
Ainda mais interessante para a sua curiosidade infantil pareceram ser os exemplares de seres vivos que por ali habitam. Interessou-se em saber se as cobras, os lagartos, as aranhas e os outros habitantes do deserto “são ou não venenosos”. E muitos são, de facto, incluindo cobras várias e uma pequena aranha de rabo vermelho. Para nosso conforto, os únicos animais com que nos cruzámos entre os pináculos foram três centopeias peludas que caminhavam em fila e umas simpáticas emas.
A atenção à bicharada passou a constar entre as preocupações elementares da Pikitim, e é gratificante observar que convive com eles com a maior das naturalidades. Ensinámos-lhe como reagir perante uma cobra ou outro animal venenoso e ela interiorizou o procedimento. E coisas simples como ver o que assaltaram as formigas a cada manhã passou a ser rotina (só ficou realmente preocupada quando as viu dentro do pacote de cereais que costuma tomar ao pequeno-almoço), tal como afugentar as perseverantes moscas. E elas são às centenas, especialmente nos lugares mais áridos e quentes. Como em Kalbarri.
Kalbarry é nome de cidade prazenteira, mas também de um imperdível parque natural. Ao longo dos 25 quilómetros em piso de “terra às ondinhas” que nos levariam à “Janela da Natureza”, cruzámo-nos com uma “família de cangurus”. Foram os primeiros amistosos saltitões que a Pikitim viu em ambiente selvagem. Eram quatro cangurus relativamente pequenos, que a Pikitim não teve dúvidas estarem “a caminho da escola”. Da escola? “Sim, da escola dos cangurus, claro”, respondeu, pragmática.
Minutos depois, estávamos já bem dentro do Parque Nacional de Kalbarry quando a estrada terminou. Saímos do carro para calcorrear os 500 metros finais que permitem avistar o desfiladeiro desenhado pelo rio Murchinson no seu caminho até à foz. E foi aí que a Pikitim se apercebeu quão belos podem ser os caprichos da Natureza. Emoldurada por uma rocha, a mãe Natureza desenhou uma “janela” com um enquadramento perfeito sobre o rio Murchinson. As águas do rio faziam uma suave curva de quase 180 graus em frente à “janela”, com as margens do rio pintadas com as cores quentes do fim de tarde, formando uma imagem inesquecível.
No regresso ao parque de estacionamento, enxotando moscas da cara a cada par de segundos e avistando pela última vez o rio Murchinson, lá em baixo, a Pikitim voltou a surpreender-nos:”A Natureza é muito inteligente”, disse. “Então porquê, filha?”, ripostamos. “É que faz coisas tão bonitas…”
Ruthia Portelinha diz
Tal como a Natureza, a Pikitim é super inteligente a avaliar pelos seus comentários. Será uma menina sábia, quando regressar a Portugal.
Continuo a acompanhar o vosso percurso.
Boas aventuras
Luísa Pinto diz
Obrigada, Ruthia1 E nós gostamos de ter companhia.
sandra diz
A Pikitim também é muito inteligente.