Ainda é muito cedo para a Pikitim compreender na totalidade fenómenos da natureza que explicam a subida e as descidas das marés. Mas, quando um dia os estudar melhor nos bancos da escola, não deixará de se lembrar da experiência que viveu durante a semana que passou em Lanta Old Town. A verdade é que começou a falar sobre as marés com a naturalidade de quem fala sobre o tempo. “Então, como está o tempo por aí? Olha, aqui em Portugal está a chover e está muito frio”, perguntava-lhe a avó, através do Skype. “Aqui, a maré está a encher, avó”, respondeu-lhe.
Foi uma semana inteirinha a viver por cima da água, numa casa sobre estacas. De manhã, avistava o mar lá ao fundo e os barcos dos pescadores estavam pousados em lama; de repente, como num passo de magia, o mar estava já a lamber os nossos pés, e a subida das águas ouvia-se de tal maneira que, uma das vezes, chegámos a pensar que estava a chover. Dizem que é assim em toda a ilha: as marés são expressivas, ganham amplitudes de notável extensão, mais em comprimento do que em profundidade. Duas vezes por dia, ao sabor da terra e da lua.
A nossa “casinha sobre a água” estava localizada no coração de Lanta Old Town, no sudeste de Koh Lanta, do lado oposto às praias e áreas turísticas que por esta altura levam enchentes à costa oeste. Fica a apenas 15 a 30 minutos de carro dessa costa (dependendo se é um táxi, uma moto ou tuk-tuk a percorrer essa distância), mas suficientemente longe para preservar inalterada a tranquilidade de uma aldeia de pescadores, com uma ambiência cultural muito interessante.
Isto porque Lanta Old Town chegou a ser a vila mais importante da ilha, porque era lá que estava o porto, na altura em que os chineses dominavam (já não dominam?) o tráfego marítimo e as ligações comerciais entre a Tailândia e a Malásia. Hoje, perdeu essa importância, e nem o porto funciona, mas, em termos de relevância cultural, Lanta Old Town é um oásis de tranquilidade para quem quer fugir às hordas de turistas e, sobretudo, experimentar como é viver numa aldeia de pescadores ao estilo da Tailândia.
A vila tem um espaço público muito bem cuidado, e uma praça central que se animava sobretudo ao domingo, dia do mercado semanal. Mas nos restantes dias da semana também havia atividades a decorrer, sendo a mais interessante uma banca com bonecos de gesso e tubos de tinta para as crianças pintarem com pincéis. A importância dos chineses na região ainda é visível pelo templo que está localizado numa das principais artérias da cidade, e pela arquitetura das casas de palafita, como aquela que nós alugamos e que tinha já mais de 70 anos.
É uma experiência de tranquilidade admirável. Viver sobre o mar, numa casa de madeira, mas com o “conforto” ocidental a que estamos habituados: bons colchões, uma boa casa de banho, cozinha equipada, livros em estantes e uma televisão e leitor de dvd (que nos serviu apenas para ouvir discos de música asiática). Para a Pikitim, foi também a possibilidade de voltar a comer uma sopa como as estava habituada (ou quase, porque na ausência de varinha mágica, nem com muito esforço o garfo consegue fazer o puré cremoso a que ela está habituada), ou a de voltar a sentir que tinha uma rotina, como a de ir a um parque infantil ao fim da tarde, brincar com os novos “vizinhos”.
Tão perto do mar, mas ainda assim longe da praia, fomos passando os dias muito por casa. E “estar em casa” significava, neste caso, aproveitar um aprazível terraço, com a ventoinha a refrescar o que a sombra não consegue. E a maior parte do tempo foi mesmo passado nessa varanda, a contemplar a tranquilidade – mais do que senti-la, até parecia possível palpá-la –, a trabalhar, a ler, a desenhar, a jogar cartas. Ou a inventar atividades: como a de fazer desenhos e pinturas nas gigantes folhas das árvores que estavam caídas em plena praça.
No “intervalo” da vida na varanda, houve tempo para dar uma volta à ilha de motorizada (uma “grande aventura”, dizia a Pikitim), para conhecer as praias, e até para visitar outras aldeias de pescadores e de “ciganos do mar”, um povo nómada, oriundo da Malásia, que só se abriga em terra por altura das monções. E, se não houve tempo para mais, foi porque a vontade de “fazer coisas” era pouca e, claro, porque a Pikitim começou a ficar com febres intermitentes que acabaram por nos levar ao hospital de Koh Lanta [episódio relatado na crónica “Angústias”, publicada na hora]. A experiência de um passeio no dorso de um elefante, que também era possível na ilha, teve de ser adiado para outras geografias. Talvez não faltem oportunidades.
Sandra diz
🙂 gosto tanto de sonhar com vocês 🙂 fazem-me tão bem :):):) Obrigada…
Luísa Pinto diz
Ainda bem, Sandra! Ainda bem! E nós gostamos de saber que há quem sonhe connosco. Beijinhos.