Íamos a bordo do Light Railway Train a caminho do centro de Kuala Lumpur quando a Pikitim desatou aos gritinhos de alegria, qual adolescente histérica à passagem do miúdo mais giro da escola. “Olhem, olhem, está ali a torre da Rapunzel!”, disse, aos pulos, apontando para a mais alta torre de telecomunicações do mundo. E tinha razão. Em termos de altura, a KL Tower “mete num bolso” as já de si imponentes e gémeas torres Petronas e, mais importante, tem quase no topo uma construção circular tão divertida e proeminente que não é preciso muita imaginação para lá ver a torre de um castelo ou, mais especificamente, a torre em que Goethel manteve cativa Rapunzel durante longos 18 anos. A partir desse momento – o início do primeiro dia de uma bela semana passada na capital malaia -, a personagem do filme “Entrelaçados” foi presença tão assídua nas nossas conversas como a sua torre no nosso raio de visão.
De facto, os nossos dias foram passados em torno da torre da Rapunzel, que é como quem diz, no coração de Kuala Lumpur. Dos tradicionais bairros de Chinatown e Little India até aos extraordinários Bird Park e Aquaria, passando pela sala de espectáculos Dewan Filharmonik Petronas e pelo Museu da Ciência, ambos localizados no complexo das afamadas Torres Petronas. E, assim, por entre gigantescos arranha-céus e trânsito interminável nas ruas da metrópole, houve um dia dedicado à música, outro aos oceanos, um dedicado à ciência e, por fim, um longo dia dedicado às aves.
Nem de propósito, planeamos uma visita àquele que é tido como o maior “walk-in aviary” de todo o mundo depois de termos recebido uma carta do jardim-escola da Pikitim em que os amigos lhe relatavam (e documentavam) um passeio a um parque ornitológico. E pediam que ela participasse. A preocupação da Pikitim passou a ser encontrar animais tão estranhos como o casuar que enviaram de Portugal (e também encontrou um) e tirar fotografias para mandar aos amigos da escola. Encantou-se com os flamingos e com os pavões, adorou ver águias a rapinar em pleno voo e as habilidades dos papagaios (no Bird Park de Kuala Lumpur fazem duas exibições diárias) e, sobretudo, gostou da sensação de ver que os pássaros pareciam andar à solta.
O mesmo entusiasmo vimos no seu rosto durante a visita ao maravilhoso Aquaria de Kuala Lumpur, ao ver o tratador alimentar tartarugas e tubarões (mas só até ao momento em que um dos tubarões, com a sofreguidão, encharcou a Pikitim com um rapidíssimo golpe de cauda) e, principalmente, ao percorrer os 90 metros submerso num túnel que permite observar de muito perto centenas de estranhas criaturas que povoam os nossos oceanos. Tranquilos numa passadeira rolante que rola devagar, a todo o momento podiam passar enormes tubarões, raias gigantes ou portentosas tartarugas por cima das nossas cabeças. Dentro do túnel, de olhar radioso e pescoço dobrado, a Pikitim delirou com tudo. Estava verdadeiramente feliz.
No final da visita, a mensagem do Aquaria estava clara e tinha sido transmitida com precisão: “Os homens dizem que têm medo dos tubarões, mas os tubarões é que deviam ter medo dos homens. Porque há caça desportiva, porque há pesca descontrolada, porque há tráfego ilegal”. Na cabeça da Pikitim, a lição parecia estar bem estudada: “É importante respeitar a Natureza e os animais (mesmo que sejam assustadores, como aquelas aranhas pretas [tarântulas] que estavam ali à entrada, têm todos de continuar a existir, não podemos matá-los só porque nos apetece! Se não os vamos comer…”, dizia, segura de si.
O respeito pela Natureza e pelos recursos naturais é também o discurso oficial em que assenta o Petrosains, construído e financiado pela multimilionária empresa petrolífera Petronas, mas com objectivos a roçar a lavagem cerebral sobre a exploração de petróleo (pelo menos foi essa a sensação com que ficámos!), sob a capa de “Centro da Ciência”. Na verdade, o museu estava irrepreensivelmente pensado, era muito interactivo e tinha actividades dedicadas às crianças que, sem sombra de dúvida, servem para aguçar a sua curiosidade sobre as questões da física, da química, do universo… da ciência. E do petróleo, claro!
“O que é a ciência? É fazer perguntas como no Sid Ciência?”, perguntou a Pikitim quando lhe falámos no museu pela primeira vez. E havia, de facto, várias respostas a perguntas pertinentes. Sendo muito interactivo, o museu permite às crianças tomar contacto com determinados conceitos – a gravidade, a força, a energia, a velocidade, por exemplo -, explicados através de experiências bastante intuitivas. Para Pikitim, tudo era brincadeira, fosse esquiar para entender a noção de atrito no centre de ciência, ou assistir a um concerto da muito formal Orquestra Sinfónica da Malásia, interpretando o conto infantil do Capuchinho Vermelho.
Foi no dia dedicado à música que esse acontecimento teve lugar. A Pikitim adora histórias, reais ou inventada. Ouvir histórias contadas pelos pais é mesmo o seu passatempo favorito, se exceptuarmos a predilecção que tem por pintar e desenhar. A história do Capuchinho Vermelho foi a quarta peça musical interpretada pela Orquestra Sinfónica da Malásia na belíssima sala Dewan Filharmonik Petronas, já a Pikitim começava a ficar impaciente depois de um adagio demasiado lento para a irrequietude infantil. Mas, quando o aguardado conto começou finalmente a ser musicado, ela espevitou e logo começou a descrever o que música lhe sugeria: “Agora parece que o capuchinho está na floresta!”; “Ui, esta parte é assustadora, deve ser quando o lobo está a espreitar”, foram algumas das suas tiradas. Foi um momento mágico para nós, pais, ver a criatividade pulsar nas veias da nossa menina.
A Pikitim não ficou fã da orquestra, mas achou “alguma piada” – as palavras são dela! – ao facto da história ter sido modificada e de não haver um caçador para salvar o Capuchinho Vermelho e a avozinha. Na peça, conduzida por um divertido maestro britânico, a avozinha tinha sido mesmo comida e era o próprio Capuchinho a pegar numa pistola e a disparar sobre o lobo-mau. “Só não gostei muito que, no final, o Capuchinho usasse um casaco de pele de lobo. Assim deixa de ser o Capuchinho Vermelho”, reclamou.
Fizemos-lhe ver que cada um pode decidir como cada história acaba, e que este final, além de original, até que era divertido. “O importante é usar a imaginação”, dissemos-lhe. E, assim sendo, é perfeitamente possível que Kuala Lumpur tenha mesmo sido o vale onde se escondia a torre da Rapunzel.
manuel vitorino diz
olá, biba,biba. acompanho as vossas aventuras há muito tempo, na Net e no Fugas. Boas viagens à mundo da fantasia e do sonho. Abraços.
Luísa Pinto diz
Biba, Biba, Manuel! Obrigado pela companhia!
sandra diz
Também já estive num corredor desses, onde via passar os tubarões e foi lindo 🙂