Não tenho a certeza se o gosto por ler se educa. E digo não tenho a certeza porque a Pikitim é a única criança que eu tive, e tenho, o privilégio de ajudar a educar. E se não tenho a certeza é porque às vezes me parece que a paixão pelo livro e pela leitura é, também, uma pulsão algo inata. Não precisam de nos dizer que ler um livro é fundamental, porque com eles aprendemos, com eles viajamos, com eles sonhamos. De repente, ter páginas para folhear, ter um livro para ler torna-se tão importante como ter ar para respirar.
Não deve ter sido só fruto da educação, e do facto de cá por casa haver livros espalhados em todas as divisões, menos arrumados, até, do que seria desejável. A Pikitim gosta de livros pelo menos desde que consegue pegar neles. Por isso, não é de estranhar que quando teve de preparar a sua mochila e escolher os objetos que a iam acompanhar durante um ano de viagem o que ela mais seleccionou foram livros.
Hoje, e por ser Dia Mundial do Livro, apeteceu-me partilhar uma história que se passou num mercadinho de rua, numa manhã de sábado cheia de sol, numa pequena vilazinha da Nova Zelândia. A vila chama-se Pohara e seria a nossa porta de entrada para o Abel Tasman National Park. Tínhamos acabado de chegar, ainda nem tínhamos ido espreitar o parque de campismo onde ficarmos “estacionados” nas próximas noites.
O ambiente era descontraído, e vendia-se tudo e mais alguma coisa naquele mercadinho. Para além das frutas e legumes, dos produtos biológicos e dos artigos em segunda mão, havia um senhor com umas enormes barbas brancas que estava a vender livros em segunda mão – o vendendor fazia-me lembrar o Gandalf, mas nem comentei isso com a Pikitim, porque ela nunca viu o Senhor dos Anéis, apesar daquelas paisagens neozelandeses estarem mesmo a pedi-lo) A Pikitim estacionou por lá. Literalmente.
Primeiro folheou um. Depois outro. Depois outro. Perdi-lhes a conta. Não tínhamos pressa. E eu percebi que ela estava a precisar de folhear livros novos – mesmo aqueles, sendo usados. “Mas estão em inglês”, disse eu, antecipando de algum modo o pedido que adivinhava – “mãe, posso levar?”. Afinal, nunca me chegou a fazer esse pedido. Limitou-se a responder: “Não faz mal. Não sei ler inglês, mas há percebi que este livro conta a história do Pinóquio, aquele de uma menina bailarina…”.E deixou-se estar, ora de joelhos ora sentada na gravilha, a folhear, a folhear.
A surpresa veio depois, quando nos preparávamos para vir embora. A Pikitim tinha-se levantado, e foi arrumar o ultimo livro no montinho em que o encontrou. O Gandalf veio ter connosco, e voltou a tirá-lo do mesmo sítio para o entregar à Pikitim. “Take it. it’s for you”. A Pikitim percebeu. Começou por dizer “no, no”, como que a recusar, mas logo a seguir pegou nele, e agradeceu “Thank You”. A minha cara devia ser de incredulidade. O Gandalf explicou-me: “Quando vejo uma criança gostar tanto de livros, não consigo resistir. Não fico mais pobre porque lho ofereço, fico mais rico”.
A Pikitim trouxe o livro, e com ele aprendeu mais palavras em inglês. E mais passos de ballet. O Gandalf ofereceu-lhe livro “Angelina’s Ballet Class”, e ela ainda hoje continua a voltar a ele muitas vezes.
Uma das muitas coisas que ouvimos dizer sobre os livros é que eles nos levam a viajar. Não posso concordar mais. E acrescento que, quem viaja, continua a precisar deles. E muito.
E vocês, com qual concordam mais? Com a frase ler para viajar? Ou com viajar para ler?
Joana Afonso diz
No ano passado viajei até Moçambique e hoje estou a ler um romance que em parte é sobre Moçambique. Se por um lado consigo recriar as imagens do livro com tudo o que aprendi durante viagem, por outro tem sido delicioso reviver os locais que conheci, e acrescentar tantas outras coisas a tudo o que já conheço.
Os livros e as viagens enriquecem-nos sempre, independentemente de quem chega primeiro! 🙂
Luísa Pinto diz
Olá Joana!
Concordo plenamente. Neste momento estou a ler um livro da jornalista portuguesa Raquel Ochoa que me está a fascinar, também por essas razões. Estou a ler “Sem fim à vista”, onde uma personagem Vítor Vídampla faz uma volta ao mundo muito parecida com a nossa, pelo menos se pensarmos nos destinos que escolheu. Estou a viajar outra vez, pelos olhos do Vídampla, e pelo criatividade de Ochoa. Vivam os livros!