As surpresas já tinham começado em Taupo, nas margens do maior lago da Nova Zelândia, situado no planalto central da ilha Norte. Estávamos no Inverno, as águas aparentavam ser de um mar revolto e não de um lago, e nós imaginámos a água fria e pouco convidativa a banhos. De repente, uma placa chamou a nossa atenção: “Danger, scalding hot water”. Avisámos a Pikitim: “cuidado, que aí onde estás a água está quente”. E comprovámos com a mão em velocidade de Faísca McQueen que sim, a água escaldava. Ela nem queria acreditar. Foi o primeiro encontro com a intensa actividade geotermal do planalto central da ilha Norte da Nova Zelândia, uma zona onde parece que cidades inteiras foram semeadas em cima de um vulcão gigante.
É a proximidade de rios de magma subterrâneos (que ficam, em alguns locais, a profundidades de “apenas” alg quilómetros) que tornam algumas destas paisagens quase surreais. Em Taupo, quando em conjunto com a família de Lola, uma menina suíça de quatro anos, começamos a subir as pastagens verdejantes do monte Tauhara, de onde se tem uma visão incrível do lago e do magnífico monte Tongariro, lá ao fundo, reparámos nas fumarolas existentes um pouco por todo o lado. “São incêndios? Tantos!”, perguntou, preocupada, a Pikitim. Mas rapidamente percebeu que não, e que também não eram chaminés de fábricas os emissores de todo aquele fumo. “São os rios que estão a ferver debaixo da terra e deitam o fumo cá para fora. Como é que se diz isto em inglês?”, pediu a Pikitim, para poder partilhar o conhecimento adquirido com a nova amiga Lola.
O curioso é que havia desses “rios a ferver” inclusive no parque de caravanas onde estacionamos durante três dias. O Taupo de Bretts disponibilizava piscinas de água mineral onde era possível escolher a temperatura das águas onde queríamos relaxar; e que bem que sabia estar enfiados nelas, ao ar livre e com noite escura. Tanto a Pikitim como Lola não queriam outra coisa: todas as noites, durante três dias seguidos, fomos todos aquecer os ossos ao relento, mergulhando o corpo nas águas termais que nos deixavam quentinhos um bom par de horas.
Se em Taupo já nos começamos a habituar a esta actividade geotermal, foi em Wai-O-Tapu que ficámos verdadeiramente boquiabertos. Wai-O-Tapu é uma zona vulcânica de 18 quilómetros quadrados, polvilhado de crateras, fumarolas e piscinas de lama borbulhante. Os visitantes do parque natural são convidados a fazer um passeio de cerca de hora e meia, percorrendo uma pequena parte da reserva para visitar lugares com nomes sugestivos como a “casa do diabo” ou a “cratera do inferno”. Sem que percebesse, sequer, o significado dos nomes, a verdade é que a Pikitim achou Wai-O-Tapu um pouco assustador. Não deixou, ainda assim, de liderar a caminhada entre as crateras e fumarolas do parque. E ficou fascinada com um bom par delas.
A Pikitim adorou a “piscina de champanhe”, o maior lago de Wai-O-Tapu que ocupa uma cratera deixada por uma erupção vulcânica ocorrida há 700 anos e onde a água continua borbulhante a quase 100 graus centígrados; a cratera onde há pássaros que nidificam nas paredes, para aproveitar o calor (“espertinhos estes pássaros, hein? ”, reparou ela); mas a preferida foi mesmo a “paleta do artista”, um lago com águas multicolores devido à presença de determinados minerais – o verde, por exemplo, é dado pela presença de sulfúrico, o branco pela sílica, o laranja pelo arsénico, o violeta pelo óxido de manganésio, o preto pelo carbono sulfúrico. As cores do lago eram de facto impressionantes, assim como o era o verde fluorescente da “piscina do diabo”, uma das crateras onde a Pikitim deu gritinhos de espanto. “Esta cor é espectacular! Mas também é perigoso cair aqui dentro, não é? Ninguém pode tomar banho aqui… ”, anotou.
Acabou por ser em Rotorua, uma cidade onde a influência e as tradições Maori – povo que vivia na Nova Zelândia antes da chegada dos colonizadores europeus – são bem mais visíveis que acabaríamos por perceber, definitivamente, que é possível, e até saudável, viver paredes meias com estes perigos.
Em Whakarewarewa, uma aldeia termal situada mesmo ao lado do géiser Pohutu, o maior e mais famoso de todo o país e principal atracção turística da cidade, ainda há 25 famílias que vivem com os pés a arder. Literalmente. São cerca de 70 pessoas que continuam a viver o dia-a-dia numa aldeia onde a actividade vulcânica está omnipresente. “Vocês usam a electricidade e o gás para cozinhar e tomar banho, nós usamos a mãe Natureza”, explicou Carol, a guia Maori que nos acompanhou na visita pela aldeia. E, como exemplo, apontou para um vizinho que, entretanto chegado, demorou menos de dois minutos a cozer um saco de couves para acompanhar o almoço. Mergulhou o saco na maior nascente da aldeia, o Parekohuru (que em Maori quer dizer ondas assassinas), ecuja água à superfície está a uns respeitáveis 98 graus centígrados – e mais do dobro um pouco abaixo. “A água pode beber-se, é boa. Mas quando arrefece sabe um pouco a sal”, explicou Carol, enquanto mostrava uma das seis caixas de vapor usadas para cozinhar existentes na aldeia.
A Pikitim estava espantada sobretudo com o Parekohuru, por ver aquela piscina “de água demasiado quente” no meio das casas, e ao perceber as cortinas de fumo que espreitavam por todo o lado.
Não tão central, mas igualmente acessível, há uma piscina de lama cujo borbulhar deixa à superfície incríveis desenhos. Tínhamos a preocupação de pedir à Pikitim para não se aproximar demasiado destes locais e, sobretudo, para evitar a natural tentação de trepar às vedações para ver melhor. Apesar disso, garantia-nos a guia, nunca em Whakarewarewa tinha havido acidentes com crianças ou adultos; apenas uma casa tinha sido consumida pelo fogo, porque a pedra alegadamente sólida onde estava instalada cedeu. Em Whakarewarewa, os Maori estão bem e recomendam-se. Há um jardim-escola com 15 bebés até aos seis meses de idade e o habitante mais velho é o “tio Jim”, como é carinhosamente chamado, com 90 anos. “Respira saúde. Sempre que tem uma dor nas costas, senta-se 15 minutos nas águas dos nossos banhos e sai de lá como novo”, contou Carol, já em fim de visita.
Nós saímos da aldeia de alma renovada, sobretudo ao sentir o orgulho com que o povo Maori mantém vivas as suas tradições, e as divulgam. Assistimos em Whakarewarewa a um curto espectáculo onde vários habitantes cantaram várias músicas tradicionais, mas foi o velho Haka – o grito guerreiro que a selecção de râguebi neozelandesa se encarregou de mostrar ao mundo – que mais encantou a Pikitim. A partir desse momento, “brincar aos Maoris” entrou na sua terminologia, e gritar com a alma pondo a língua de fora com cara de má passou a ser um dos seus passatempos. “Huh!!”
Mafalda M. diz
Quando li os relatos do vulcão Tongariro lembrei-me logo da vossa filha! Espero que não se tenha sentido por aí e que ela não tenha apanhado um susto!
Continuação de boas aventuras!
Luísa Pinto diz
Olá Mafalda
Já estamos bem longe do Tongariro, no meio do oceano Pacífico, não sentimos nada. A Pikitim vai ganhando alguma experiência – já experimentou, num simulador, os efeitos de um tremor de terra (no Te Papa, em Wellington), já passou uma semana a ouvir os esgares do vulvão Yasur e a vê-lo explodir lava (em Tanna, Vanuatu), mas não tenho dúvidas que seria assustador, de qualquer maneira. Felizmente, por aqui, está tudo bem!
Beijinhos
Name nelson diz
OLA a familia e ja agora parabens aos pais por essa viagem fantastica e a vossa filha deve estar adorar , eu acompanho a vossa viagem desde o inicio e mal vi a vossa reportagem na sic eu gostei mt e ja agora divirtam se pelo mundo .
Luísa Pinto diz
Obrigada, Nelson! Estamos a fazer por isso! Obrigada pela companhia!
sandra diz
Ahahahhhhh olha que gostava de ouvir esse grito do guerreiro Pikitim.