Chegamos a Nouméa, a capital da Nova Caledónia já avisados: iria parecer que estávamos a aterrar na Europa. Na verdade, pelo menos até ao próximo ano este arquipélago do Pacífico continuará a ser território ultramarino francês – um referendo agendado para 2013 pode trazer alterações a este estatuto. Há as padarias com baguetes fresquíssimas e crocantes, os carros de alta cilindrada, as baías urbanas de Anse Vata ou Citron a fazer lembrar as praias da Riviera francesa, mas com ainda melhor clima, como a presença de banhistas dentro de água, em pleno inverno, fazia notar. Sim, não fora a presença de corpos indígenas e poderia parecer que estávamos na Europa.
Foi precisamente algo que assinala a identidade indígena do povo kanak que mais nos chamou a atenção nos primeiros dias em Nouméa. O Centro Cultural Jean Marie Tjibaou, espaço de homenagem à cultura do povo kanak e cujo nome celebra o espírito reconciliador do homónimo líder local, é um espaço verde e amplo dominado por um singular edifício desenhado pelo pritzker italiano Renzo Piano. É também um belo ponto de partida para descobrir o que de mais genuíno poderíamos encontrar na Grande Terre, a principal ilha do arquipélago da Nova Caledónia.
Desde que visitou uma aldeia maori, na Nova Zelândia, a Pikitim começou a reparar nas estátuas e totens que fomos encontrando, esculturas em madeira que são uma tradição entre os povos da Melanésia, a sub-região do Pacífico em que se insere a Nova Caledónia. E, entre as estátuas situadas logo à entrada do centro Tjibaou, a primeira que captou a sua atenção foi a de um homem com uma enorme namba – uma espécie de bolsa de palha onde fica embrulhado o pénis. “O senhor tem este pau para tapar a pilinha, não é?”, perguntou, intrigada.
Não há, hoje em dia, quem se vista dessa forma na Grande Terre, mas esperávamos ainda ver as grandes cases (as casas tradicionais) que inspiraram Piano no desenho do centro Tjibaou que estávamos a visitar. “Mas são casas assim com paus muito altos?”, perguntou, intrigada com a fusão de vidro e grandes vigas de madeira de iroko que pareciam tocar o azul do céus. O que ela via era uma reinterpretação dessas casas, e isso era mais difícil de explicar. Felizmente, nos jardins do centro cultural existem três desses exemplares, e pudemos mostrar-lhe como eram as cases (construções de madeira circular) e os farés (construções rectangulares, com telhado de palha, que foi sofrendo várias evoluções e adaptações ao longo dos tempos).
Depois disso, decidimos que o melhor era mesmo vê-las ao vivo, nas zonas mais a norte da Grande Terre – e, já agora, conhecer a aldeia e a tribo de origem de Jean Marie Tjibaou, uma espécie de o herói nacional.
Saímos, então, da “cidade mais industrializada do Pacífico” (graças à intensa laboração do níquel, a indústria mais importante da economia local) e rumamos a norte, com destino a Hienghène, prometendo à Pikitim que haveríamos de tentar conhecer a tribo de Tjibaou. Na Nova Caledónia, uma tribo é uma espécie de aldeia onde vive uma família alargada.
Dirigimo-nos a Hienghène pela costa ocidental da ilha, conduzindo devagar e acampando. Primeiro, na mais pequena comunidade da ilha, a vila de Farino, de onde fomos até La Foa para assistir à sessão inaugural do Festival Internacional de Cinema. A sessão era ao ar livre, num relvado a preceito. Para nossa surpresa, a Pikitim adorou conhecer Hugo Cabret pelo olhar de Scorsese e não arredou pé apesar do francês (que não percebe) e da chuva que não parou de nos molhar. Foi só depois dessa paragem cinematográfica e de atravessarmos a ilha para a costa leste que sentimos estar a chegar a uma ilha de clima tropical e começamos a ver mais kanaks na estrada. Era como se a Grande Terre fosse francesa a ocidente e kanak a oriente.
Chegamos a um belo parque de campismo de Hienghène num fim-de-semana. A cidade estava, por isso, deserta. Não havendo ninguém nas ruas e com lojas fechadas, optámos por desfrutar das praias e percorrer a belíssima costa até à cascata de Tao, uma impressionante queda de água que cai da encosta do Monte Painié no exacto sítio onde em tempos havia uma mina de ouro. Para lá chegar, é necessário atravessar o rio em Ouaième com recurso a uma vetusta balsa, que não é mais do que uma plataforma mecanizada que liga uma margem a outra do rio, ininterrupta e gratuitamente.
Foi aí, em Hienghène, que encontramos as mais bonitas paisagens da ilha, e a Pikitim foi a primeira a notá-lo, ao apreciar as formações rochosas de Lindéralique bem perto do sítio onde acampamos. Em Lindéralique vivia uma tribo homónima; na aldeia ao lado, uma outra tribo, a de Koulnoué. E era assim por todo o território: pequenos aglomerados, com uma case central, muitos farés e um chefe. E mulheres de longos vestidos coloridos e simpáticos sorrisos nos lábios. Queríamos conhecer uma delas – a de Tjibaou -, mas a tradição ainda é o que era, e o “costume” é para se manter e cumprir. Foi por isso que aguardamos pela abertura do comércio na segunda-feira para comprar o pedaço de tecido que deveríamos levar como prenda ao chefe da tribo Tiédanite como forma de agradecimento por nos receber. Chegamos à aldeia à tarde.
A grande case ocupava o centro da vila. Um grande totem ao lado da campa de Tjibaou era a homenagem que aquele povo fazia ao antigo líder. Ficamos em casa de Charline, sobrinha-neta de Jean-Marie, que desde há pouco mais de um ano se ocupa a receber visitantes à aldeia. Os filhos estão na escola em Poindimié, a principal cidade da costa leste, e só regressam ao fim de semana. E o mesmo se passará com muitos habitantes da aldeia, que só a ela regressam aos sábados e domingos.
A aldeia estava, por isso, praticamente deserta. Por ignorância nossa, não era bem isso que esperávamos. Queríamos interagir, falar, vivenciar. E não queríamos ter visto 3 ou 4 panos de tecido iguais aos nossos inutilmente parados na casa do chefe, como se o ritual do coutume já não tivesse real significado. Não foi, por isso, o intercâmbio tribal que desejávamos. Voltaremos a tentar em Vanuatu, dentro de um algumas semanas.
sandra diz
Vão conseguir 🙂