Há quem diga que uma das melhores coisas que se pode retirar de uma viagem é a certeza de que o nosso lugar é o sítio onde temos raízes. Que um dos momentos de maior felicidade é, depois de um voo surpreendente, magnífico e extenuante, o momento de regressar ao ninho. Porque nos ajuda a valorizar aquilo que temos, a relativizar aquilo que pensávamos que nos fazia falta. Não subscrevo esta afirmação na íntegra, até porque não sobreponho a satisfação do regresso aos momentos intensos do voo (para continuar a usar a imagem do voo e do ninho). Mas isso se calhar sou eu, que tenho mais a tentação de valorizar a adrenalina do que os momentos de relax. Porém, fiquei a pensar muito nisso depois de ter visto, aqui há dias um interessante documentário do canal BBC Two (transmitido pela Sic Noticias).
Era um episódio da série “The thoughest place to be…” – algo como “O pior sítio do do mundo para…”. Neste episódio, um profissional estabelecido no Reino Unido aceita o desafio de ir exercer a sua profissão num outro lugar do globo, onde as condições são bem mais desafiantes. O episódio que eu vi falava da profissão de motorista de autocarro, e retratava a experiência de um motorista de Londres a experimentar conduzir um jeepney em Manila, a capital das Filipinas.
Josh West conduz um dos autocarros vermelhos de dois andares, famosos em todo o mundo. Todos os dias faz várias vezes um percurso entre vários pontos da city de Londres. No início do episódio vemos a festa surpresa que a família lhe organiza, em jeito de até já e boa sorte para a aventura do outro lado do mundo. As imagens seguintes mostram Josh a entrar em casa de Rogélio, uma casa onde vivem oito pessoas em dez metros quadrados (duplicados por dois andares). West começou a rir-se quando viu o jeepney. “You call this a bus?”. Depois, começou a ganhar respeito pelo trabalho árduo que Rogélio enfrentava todos os dias.
Trabalho árduo que inclui enfrentar o trânsito (e só quem já passou por Manila consegue perceber a dimensão deste caos, pior ainda do que em qualquer grande metrópole asiática), trabalho de cobrar bilhetes, conduzir sem direcção assistida, sentar-se num atravancado banco de madeira, abastecer o veículo no menor tempo possível, de preferencia sem se afastar demasiado da rota. West sai das Filipinas um homem novo. Ouviu Rogelio espantar-se com a descrição dos autocarros no Reino Unido e limitou-se a dizer: gostava de um dia ir trabalhar para o seu país. Não é difícil perceber porquê.
Este episódio tocou-me porque me levou de novo até Manila, à caótica capital das Filipinas, e que foi um dos sítios onde vimos mais miséria concentrada. E onde há gente, como Rogélio, com a mesma dignidade profissional que Josh, mas com bastante menos condições. Viajar ajuda-nos, afinal, a isto: torna-nos conscientes de todas as diferenças que nos separam, e da sorte que alguns temos por nascer em determinado sítio.
Para uma criança de quatro anos andar num jeepney é tão emocionante como andar num autocarro de dois andares. Aliás, talvez andar num jeepney tenha sido ainda mais emocionante, dado o número de vezes que ela pediu para entrar e sair deles – no pequeno vídeo onde registamos a nossa passagem por Manila, dá para ter um pequeno cheirinho. Uma coisa é certa. A Pikitim experimentou as diferenças. E vai saber valorizá-las.
Filipe Morato Gomes diz
A todos os leitores do Diário da Pikitim lanço um desafio: não deixem de viajar com crianças para as Filipinas. É um destino incrível!