Tal como todas as crianças, a Pikitim teve ontem o primeiro dia do ano na escola. Tal como para todas as crianças, era um dia especial, de regresso de férias. Dia de relatos de como foi o Natal e a passagem de ano, de descrever brinquedos que se encontraram no sapatinho e de partilhar novas brincadeiras. Para a Pikitim era, porém, duplamente especial. Porque era o primeiro dia do ano na escola, mas era também a véspera do último.
Há muito que a Pikitim sabe que 2012 seria o ano em que faria uma grande viagem com os pais. Ela percebe bem, e repete muitas vezes, que vai viajar à volta do mundo durante um ano, mas não terá a perceção real do alcance deste projeto. Isso era o que nós pensávamos, e o mesmo julgávamos que se passaria com muitos dos seus amiguinhos, que ontem ouviram falar desta viagem pela primeira vez. A professora preparou tudo ao pormenor, e guardou o dia de ontem para contar à turma que, durante 2012, a Pikitim iria acompanhá-los de uma forma diferente.
No salão onde se dão as boas vindas a todas as crianças (e que este ano é também a sala onde a Pikitim tem mais atividades) há uma parede limpa, com um grande planisfério colado. Com o título “A Viagem da Inês”, aquelas paredes ficam à espera dos recortes, dos postais, dos desenhos, das informações que a Pikitim lhes for enviando ao longo da viagem.
A aventura começa a ganhar uma dimensão real. A hora “de ir apanhar o avião para a nossa viagem” está cada vez mais próxima. Será o primeiro de muitos aviões, sem que a Pikitim revele alguma ansiedade em particular. Mas não deixa de ser surpreendente a forma como deixa que haja uma certa naturalidade a vestir um projeto desta envergadura, ao mesmo tempo que revela ter consciência de que vai viver uma aventura irrepetível.
Durante o dia de ontem, até a professora, uma educadora experiente e experimentada, se revelou surpreendida. Não só pela postura da Pikitim, mas também pela reação de grande parte dos seus amiguinhos. “Revelaram mais maturidade do que aquela que se poderia esperar. Anteciparam as saudades que vão ter, porque ela é uma menina querida por todos”, resumiu.
A primeira surpresa foi protagonizada pela Pikitim. Nunca quis ser ela a responder às perguntas dos amiguinhos – como se, de repente, não quisesse ser a protagonista daquela história e preferisse manter o anonimato e a clandestinidade; como se fosse apenas mais uma história que a professora iria contar, sobre as aventuras que irá viver uma outra menina qualquer. A explicação da professora é a de que, se a Pikitim tem muito gosto em mostrar-se, ou melhor, em mostrar as suas capacidades (o desenho bonito, o trabalho bem feito), tal só acontece naquilo que é rotineiro, é normal. “Ela percebeu que esta viagem não vai ser repetida por todos, ela percebe que há algo de original nisto”, explica, como se a Pikitim tivesse pudor em ser a protagonista.
As perguntas dos amigos foram várias, e divertidas. “Mas então essa não é uma viagem, em que se vai para o aeroporto e depois se volta?”, perguntou um, lembrando-se das viagens nas férias. “Claro que sim”, respondeu a professora, “a diferença é que desta vez é capaz de demorar um bocadinho mais de tempo a regressar”.
Os pormenores da viagem (como aqueles sobre onde vai dormir, quantos países vai visitar, como são as refeições e se vai aprender outras línguas) serão curiosidades para ir respondendo ao longo do ano. Ontem, a maior preocupação dos miúdos revelou-se outra, apesar de não a conseguirem verbalizar. A professora não tem dúvidas que os meninos experimentaram uma saudade antecipada. “Aprenderam a dar valor a essa palavra, percebem-na agora melhor, ao tentarem antever que vão passar um ano, mudar de bibe, sem ter a companheira por perto”, explica a professora.
“Mudar de bibe” significa passar mais um ano. Os meninos entram no Jardim-Escola João de Deus para frequentar o bibe amarelo (aos três anos), depois sentem-se crescidos quando, no ano letivo seguinte, já usam o bibe vermelho; um ano depois, ainda experimentam o bibe azul antes de entrar para a escola primária. Hoje foi o último dia em que a Pikitim usou o seu bibe vermelho. Também trouxe o chapéu, que diz que pode usar na viagem. E na cabeça quis usar a coroa que a turma esteve a preparar para o dia de Reis – e que é o dia em que ela embarca no avião. “Sabes, mãe, hoje só eu é que posso usar a coroa, porque eu não vou estar aqui nos próximos dias”, explica-me à saída da escola, depois de se ter alongado em beijinhos de “bom ano, boa viagem, bom ano”.
Agora só regressa em 2013, para vestir um bibe azul e conhecer uma outra professora. Mas os amigos serão os mesmos. Será o Vasco, que ontem lhe acariciava a mão enquanto a professora falava, como quem diz – “tu vais, mas eu vou estar sempre contigo”, ou então um muito adulto e sentido “vais ver que vai correr tudo bem”. Ou será o Tomás, que ao contrário da irmã, mais velha – que se entusiasmou com a volta ao mundo da Pikitim e disse “que fixe” e “que sorte” – ficou triste e verteu várias lágrimas. “Mas se os pais querem viajar, porque não vão eles sozinhos? A Inês podia ficar a viver connosco, até podia dormir na minha cama…” aventou ele. Os amigos serão, afinal, todos aqueles que hoje lhe escreveram uma carta a desejar “boa viagem” e a dizer que ela “está no nosso coração”.
Muitas destas crianças ainda não têm cinco anos e já sentem, de uma forma tão adulta, o que será a saudade. A melhor forma de atenuar essa saudade é intensificando a partilha, aprofundando o contacto. Fisicamente, os amiguinhos não poderão estar com ela nesta viagem. Mas podem todos acompanhá-la, viver as suas aventuras e desventuras, partilhar as suas descobertas, e vivê-las também. Não nos esqueçamos: este é um dos grandes objetivos desta aventura: dar à Pikitim ferramentas que lhe permitam crescer uma cidadã do mundo, mais tolerante e responsável, consciente da diversidade e que a respeite. E essas ferramentas fazem mais sentido se forem partilhadas por todos.
Hoje a Pikitim saiu da escola com a coroa na cabeça, e abraçada à carta que amigos e professores lhe escreveram. “Vou levá-la comigo, no meio dos meus cadernos, está bem, mãe?”
Ana diz
Que texto tão bonito! E que bom a Pikitim poder estar a tocar de forma tão marcante na vida de muitos outros meninos. Esta viagem não é só vossa, ganhou vida: é dessa turma, dessa escola e de todos nós! Boa viagem e cá estaremos também a levantar voo com vocês!
Graça Ribeiro diz
Muito obrigada pela partilha de um momento tão especial. Os pequeninos são ‘concentrado de gente’ e acho que por isso conseguem surpreender-nos: quando menos esperamos, descobrimos neles aquilo que pensamos só existir nos ‘maiorzitos’ – mas neles em estado mais puro, menos diluído, menos elaborado mas mais intenso.
Muito boa viagem para toda a família – mais os ‘penduras’ de todas as idades que por cá ficam a acompanhar-vos 🙂
Graça Ribeiro
Luísa Pinto diz
Olá Graça, nós é que agradecemos a vossa companhia! É na partilha que tudo faz mais sentido…
Beijinhos
Luísa
Carlos Silva Neves diz
Que belo começo…
Ana Isabel Monteiro Duarte diz
Muito bom. Chega mesmo a ser comovente. Parabéns e boa viagem. Vamos lendo noticias vossas 🙂
Ana Mafalda Ramos Pinho diz
Que maravilha!!! Daqui ficamos a acompanhar a viagem. Beijinhos e divirtam-se-
Eugenia Maria Duarte Cruz diz
Que experiencia fantástica vão viver. É de facto um sonho. Parabens pelo projecto e desejo as maiores felicidades aos tres nesta aventura que será inesquecível. Boa viagem…acompanharei as vossas experiencias para de certa forma me sentir tambem em viagem.
Rogério Alves diz
Que EMOÇÃO! “O último dia na Escola”
É tão bom saber que existem Pais assim.
Aproveita, Inês!
Obrigado e boa viagem!
E para a viagem deixo-vos com um poema que um estudante de medicina do Porto, Serafim Guimarães, escreveu no DN Jovem:
Mineiro
De sol a sol
cavando
na direcção errada.
O tesouro que procuras
não está debaixo da terra.
Solange diz
Amigos as saudade são muitas lá em casa. Na porta do quarto da Matilde e do Tomás continuam desenhos para a Pikitim e na “Nitendo” dele descobri algumas fotos da Pikitim onde os fundos vão sendo preenchidos com flores, muita cor e corações:) Para o Tomás tem sido dificil e todos os dias fala em vocês,prometi-lhe que este fim de semana iriamos tentar estabelecer ligação para que eles possam comunicar. bjs para os 3 e divirtam-se é que aqui está um frio de rachar:)
Name diz
E assim aconteceu…
Desta feita ele leva a família, provando que a bagagem não pesa e que tudo se consegue!
Ensina-nos ó mestre, partilha a tua sabedoria e preenche-nos o imaginário 🙂
Rodrigo Figueiredo diz
Olá Pikitim!
Quero desejar-te uma boa viagem e dizer-te que falo muito de ti aos meus pais. Tenho feito desenhos na escola e guardei um muito bonito para te dar quando chegares.
Mal posso esperar para falar contigo pelo computador!!!
Um beijinho,
Rodrigo Figueiredo (bibe vermelho) 😉