Carla R. conhece bem a cidade de Paris, onde escolheu viver há já dez anos. E foi lá que escolheu continuar a viver, agora que tem dois filhos, apesar de sentir falta do apoio da família – isto porque vive bem longe dos pastéis de nata e do bacalhau. A Carla viaja sempre que pode – tem um grande projeto em mãos, como nos contou na rubrica Família Vagamundos – e não é nada puxada a consensos nem a mainstreams. Gosta de desafiar as opiniões instaladas, e isso nota-se nas recomendações preciosos que aqui nos deixa.
Por exemplo: “Não ir aos Champs Elysées, aquilo não tem interesse nenhum, é tirar uma foto da Praça da Concórdia, ou do Arco do Triunfo. Não ir à Louis Vitton, não ir à Cartier, não ir à Disney store, muito menos ir à Fitch&Abercombie, esses grandes convencidos mal criados. Passear por Saint Germain de Près e pensar em Camus, Sartre, Beauvoir, Greco. Ler “A espuma dos dias” antes de vir, ouvir Je suis snob e entrar no fan club do Boris Vian. Para a noite ir a Oberkampf e depois a Ménilmontant numa vez, e na segunda noite ir ao Boulevard Saint Denis, para que caia por terra definitivamente essa ideia peregrina que os parisienses são isto ou aquilo. Aproveitar a boa onda e apaixonar-se por um francês, viver a experiência francesa total. Mudar de vida, deixar tudo e ter dois filhos franceses de uma assentada só. Aconselho muito este último paragrafo.”
Aqui ficam as dicas da Carla R. para uma viagem a Paris com crianças.
O que é para ti o melhor de viver em Paris com os teus filhos?
Pode parecer que estou a gozar, mas falo muito a sério quando digo que o melhor de se viver em Paris são os parisienses. Com o seu sentido de humor distorcido, o seu exagero na comunicação, o facto de estarem sempre a reclamar. Fazem-me sentir em casa.
Há quanto tempo vives em Paris? Houve alguma dificuldade de adaptação?
Há dez anos. Nenhuma dificuldade de adaptação, talvez porque tenha vindo sem preconceitos e a pensar na mudança como se fosse uma aventura. E foi. Nunca tive saudades do pastel de nata ou do bacalhau. Quando tive filhos, ai sim, tive saudades de ter alguém da família para me ajudar, mas isso, são outras historias. Tem mais a ver com a distância, do que com o sitio onde estou.
Qual é a vossa zona da cidade preferida? E porquê?
Algures entre Ménilmontant, a rue de Charonne e o canal de Saint Martin. Porque ainda são zonas proletárias, onde parece que existe sempre algo novo a acontecer e onde há mais tolerância em relação a novas ideias e culturas. Pelo menos para alguém que acredite que isto é verdade. Eu escolhi acreditar, sou uma pessoa de fé.
E qual é a melhor zona para, quem for a Paris de visita, procurar uma guesthouse ou um hotel?
Montmartre ou quartier latin, porque estão no centro da vida parisiense e também têm locais turísticos.
Escolhe, por nós, um café, um museu e um parque ou jardim por onde valha a pena passar.
Esta resposta é completamente aleatória. Café pode ser o Ourcq, de preferência no Verão, falei dele aqui, porque se fica sempre com a sensação de se estar no umbigo do mundo. Jardim Buttes Chaumont, no Inverno quando há neve (ver vídeo), ou no Verão, quando abre o chalet Rose Bonheur. Mas digo isto, só porque já falei do Jardim do Luxemburgo que é mais central e mais fácil de explorar.
Costumam almoçar ou jantar fora? quais são os restaurantes mais child-friendly da cidade?
Há um restaurante que é parents-friendly, que é pensado para as crianças e onde os pais são aceites. O 400 coups. Mas é mais interessante quando acontece algo excepcional, como uma festa ou um atelier.
Em geral, as crianças são bem recebidas, nem sempre há fraldario ou cadeirinha, é verdade, mas em geral os pais sabem identificar os restaurantes que têm esses equipamentos. Pronto, agora fica aqui esta dica mistério, que eu também andei a sofrer muito com o tal mito que as mães sabiam sempre porque é que os bébés estavam a chorar.
Os meus filhos gostam muito de um tal Marcel, porque o empregado é simpático e não hesita em gozar com a amável clientela, da-lhes lápis de cera e desenhos para colorir, serve apenas snacks, oferece chupas no final e fica na lindíssima Villa Léandre.
Como é a rede de transportes públicos? É Segura?
O metro é excelente, se não contarmos com a hora de ponta e com o facto de acabar à uma da manhã – boa sorte para arranjarem taxis a partir dessa hora. Não gosto de usar o RER à noitinha, não recomendo mesmo nada.
E tens alguma dica para tornar esta passagem por Paris um pouquinho mais barata, isto é, alguma dica para poupar dinheiro?
Não comprar souvenirs, não têm assim tanto interesse como se pensa. Depois há o primeiro domingo de cada mês em que os museus são gratuitos. Recomendaria ao meu pior inimigo ir ao Louvre ou ao Museu de Orsay nesse dia, o melhor é escolher um museu mais intimista. Não comer ao pé de lugares turísticos, evidentemente. Para um jantar honesto ir a Ménilmontant, mas evitar usar o American Express, até porque normalmente não aceitam e vão gozar convosco a dizer que isso é coisa de rico. Olhem, experimentem usar este cartão na Belleviloise, por exemplo, vai ser giro, vai.
Imagina que só temos dois dias. Consegues desenhar um pequeno roteiro que nos indique como devemos aplicar o nosso curto tempo?
Ir ao Jardim do Luxemburgo, assistir a um teatro de marionetas Guignol, alugar um barquinho para empurrar com um pau no lago, andar num carrossel de Madeira – se tiverem pouco tempo evitar o parque infantil que fica mesmo atrás – dar dicas aos velhotes que costumam jogar xadrez, ver jogos de ténis, grupos a fazer tai chi, pessoas a abraçarem árvores, a fazerem box, artes marciais com sabre, a terem aulas sádicas de desporto, convencer as criancinhas que os poneys não devem gostar muito de andar o dia todo a carregar com crianças alheias, se não der certo, deixa-las andar uma volta, apesar de tudo e tirar fotos tipo Anita no Parque.
Passear nos cais do Sena, ali para os lados da Pont des Arts. Não colocar mais um cadeado de amor na grades desta ponte, por favor. Fazer um piquenique no Vert Galant e olhar para a ponte e imaginar como é que era há dez anos, quando os namorados passeavam na ponte de mãos dadas, a olhar para a paisagem e a prometerem mutuamente serem o melhor possível, enquanto valer a pena, em vez de acorrentarem-se um ao outro numa manifestação kitsho-possessiva.
Andar de bicicleta nas ciclovias. Começar, por exemplo atrás do Grand Palais e descer em segurança total, passar pela ponte Alexandre III, dar uma volta aos Inválidos, fazer uma perninha ao museu Rodin, passear pelos recentes bergers de la seine e depois, confiança ganha ir por Paris dentro. O limite são as escadarias do Sacré Cœur. Façam videos e coloquem no youtube, depois avisem.
Não ir aos Champs Elysées, aquilo não tem interesse nenhum, é tirar uma foto da Praça da Concórdia, ou do Arco do Triunfo. Não ir à Louis Vitton, não ir à Cartier, não ir à Disney store, muito menos ir à Fitch&Abercombie, esses grandes convencidos mal criados. Passear por Saint Germain de Près e pensar em Camus, Sartre, Beauvoir, Greco. Ler “A espuma dos dias” antes de vir, ouvir Je suis snob e entrar no fan club do Boris Vian. Para a noite ir a Oberkampf e depois a Ménilmontant numa vez, e na segunda noite ir ao Boulevard Saint Denis, para que caia por terra definitivamente essa ideia peregrina que os parisienses são isto ou aquilo. Aproveitar a boa onda e apaixonar-se por um francês, viver a experiência francesa total. Mudar de vida, deixar tudo e ter dois filhos franceses de uma assentada só. Aconselho muito este último paragrafo.
Perder-se no Marais, mas fazer o impossível para entrar na escola de dança, quando todos os cursos estão a acontecer ao mesmo tempo. Ver na recepção se é possível participar num – paga-se à hora, se houver lugares. Não esquecer a Place de Vosges, claro. Onde se pode fazer piqueniques no Verão, visitar a casa de Victor Hugo e tentar imaginar que aqui moravam em tempos a corte os reis de França. Não arriscar perder place du marché Saint Catherine. Ir a Montmartre depois da meia noite, para se conseguir imaginar o que seria antes da invasão de turistas, não perder a Place de Tertre vazia, bien sûr. Descer e subir escadas. Não gritar invasão, excepto se for mesmo para invadir qualquer coisa. Não deixar de lado o Canal Saint Martin, tentar beber um café Prune e perguntar o que é que quer dizer BoBo ao empregado. Boa sorte com esta. Ir até ao Point Ephémère ver o que esta a acontecer. Acontece sempre alguma coisa no Point Ephemere, em caso negativo beber uma cerveja. No final, arrepender-se de só ter vindo dois dias a Paris e programar nova viagem.
A minha é ir a grandes concertos em salas minúsculas, perder-me numa exposição temporária (normalmente organizada no Pompidou, no Grand Palais ou na Orangerie) e assistir a conferências da “universidade popular” quando é o Michel Onfray que tem alguma coisa a dizer (acontece muitas vezes, tem um cérebro muito sexy). Os meus filhos gostam dos ateliers do palais de Tokyo e do Museu Quai Branly, em particular, e dos ateliers em museus em geral, gostam de ir ao teatro, especialmente na sala microscópica do Atelier de la Bonne Graine e de concertos em geral, seja musica clássica na sala Pleyel, seja a fanfarra na ponte da ilha de Saint Louis.
Tens alguma sugestão para quem queira fazer compras? onde é o melhor sitio para comprar coisas para crianças? e, já agora, para as mães e para os pais?
Eu sei que ninguém me pediu a opinião, mas vou da-la mesmo assim. Uma pessoa vai viajar, vai conhecer uma cidade onde nunca, ou raramente meteu os pés. A cidade é uma cidade enorme, com uma multiplicidade infinita de coisas e sítios e pessoas para conhecer e essa pessoa vai fazer compras ? Essa pessoa vai entrar numa loja e vai andar à procura de coisas para comprar em vez de estar a viver experiências únicas ou ver sítios fora do normal. Eu sei que estamos na altura do cinismo e que é tudo muito engraçado e que se não tiver aqueles sapatos morro, mas, a sério comprar cenas e coisas, a milhares de kilometros de casa? Ainda percebia quando era antigamente, mas hoje em dia, pode-se comprar quase tudo em Lisboa, e o resto que falta fica à distância de um click.
Pronto, agora que já perceberam que o que estou a tentar fazer é ocultar a minha ignorância nesta matéria, posso adiantar uma dica. Ainda por cima, fica mesmo ali ao lado da Notre Dame, é uma questão de se atravessar uma ponte e seguir as luzinhas. A livraria Shakespeare and Company não é típica, que querem coisas típicas, vão aos supermercados comprar vinho, creme de marron ou bodin noir, ou então vão às lojas de turistas comprar imans e bonés made in china. Esta livraria é uma experiência a ser vivida. Não falhem o segundo andar, onde podem tocar piano, cantar, descalçar-se, dormir, ouvir um escritor famoso (com sorte) a falar-vos de literatura quando vos serve chá, jogar xadrez, escrever na maquina de escrever (se, entretanto, tiverem mudado a fita de tinta) e admirar o caos organizado.
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