Estávamos a abeirar-nos do balcão de check-in da Air France, no aeroporto de Lisboa, quando a diligente funcionária da companhia aérea meteu conversa com a Pikitim. “Vais até Paris? Boa viagem…” Foi uma abordagem curta. “Estive quase a perguntar-lhe se ia até à Eurodisney, porque já embarcaram duas famílias para Paris com crianças que iam para lá. Mas pensei que poderiam não ir e que se calhar não era boa ideia lembrá-la disso”, reflectiu a funcionária.
E pensou muito bem. Nós não íamos para a Eurodisney. Não deveria de haver problema em lembrar a Pikitim da existência do parque de diversões, ela sabia que não íamos lá. Mas estava igualmente entusiasmada com a perspectiva que a aguardava: ia passear em Paris, a cidade da Torre Eiffel, dos artistas (desde que soube que há muitos artistas a pintar retratos numa só praça que diz que os quer ir ver pintar) e dos gatos.
Sim, gatos. A culpa foi do livro “Isto é Paris”, do magnífico ilustrador checo M. Sasek, que lhe foi oferecido pela amiga Andreia, muito antes de nós termos uma viagem marcada para a cidade-luz. Nesse livro escreve-se que em Paris há muitos gatos. E que há museus, baguettes, porteiras e garçons, e a lindíssima Notre Dame. “Eu sei que o corcunda Quasimodo é só uma História, não existe…”, replicou a Pikitim. Ela nunca leu Vitor Hugo, claro. Mas o contributo do sr Walt Disney na imaginação e cultura das nossas crianças é vasto e importante.
A verdade é que para planear uma visita a Paris com crianças não temos obrigatoriamente que incluir uma visita à Eurodisney para ver os miúdos motivados. Nós já tínhamos a convicção de que a capital francesa seria um excelente destino para viajar com crianças, por isso, quando o Turismo de França nos desafiou a ir comprová-lo ficamos muito contentes. Só podíamos aceitar este convite com muito entusiasmo.
Tivémos total liberdade para planear a nossa estadia, e escolher entre as sugestões que nos foram apresentadas num programa que contou, ainda, com a colaboração da Air France e do Turismo de Paris – Paris Info. Seriam 72 horas em Paris. Três dias completas – chegada uma sexta à tarde, a seguir ao almoço, e o regresso na segunda-feira seguinte, mais ou menos à mesma hora. E uma vantagem acrescida e não planeada: iríamos chegar à capital francesa no dia da Festa da Música, a celebração que traz toda a gente que gosta de música para a rua: uns para a tocar, outros para a ouvir.
Pode ler, nos links abaixo, o nosso roteiro em cada um dos dias.
[expand title=”Dia 1 – Festa da Música e Bateaux Parisiens”]
Paris com Crianças Dia 1 – Festa da Música e Bateaux Parisiens
O plano que traçamos para as primeiras horas em Paris era muito simples: deixar as malas no hotel, apanharmos o metro até ao Trocadéro, e enfiarmo-nos num barco, para apreciar a folia nas margens a partir das águas do Sena. Visitar uma cidade como a de Paris com crianças implica pensar em andar devagar, em permitir que nos deixemos ficar pelos jardins e parques, passear ao ritmo deles e não apenas impôr o nosso.
Não demoramos muito tempo no hotel – ficámos no Hotel du Nord et Est, um alojamento simples, que se diz habituado a receber clientes portugueses e brasileiros. Mas nós fizemos por começar a praticar o nosso melhor “Bonjour”. Pouco depois das 17h30 já estávamos, de novo, na praça da República, sentados numas pequenas escadas a experimentar a primeira baguette. Estão à venda por todo o lado, em brasseries que pululam a cada esquina.
“O pão é mesmo bom!”, comentou logo a Pikitim. Assim, seco, sem mais nada. Foi uma sensação parecida com a que tívémos na Nova Caledónia, durante a nossa viagem à volta do mundo. Este é um problema de todos os elementos da família: somos devoradores de baguettes, e nem precisamos de manteiga! Mas sobre experiências gastronómicas (e alimentação e restaurantes) e dicas acerca dos transportes, vão surgir outros textos. Este serve para partilhar o nosso roteiro.
Estômagos felizes, abalámos, de novo, metro dentro: não há maneira mais fácil de viajar em Paris. Chegámos ao Trocadéro minutos depois, e apesar de o percurso que nos afastava do Quai de la Bourdonnais ser relativamente curto, demorámos horas a atravessá-lo. isto porque os apelos a parar era muitos. Canto coral. Cantores peruanos. Música tribal. Bailarinos de break-dance. Microfones por todo o lado. E a Torre Eiffel, lá ao fundo.
Acabamos por entrar num dos Bateaux Parisiens já eram 21h00. Estava na altura de ver a cidade através “da avenida mais antiga do mundo”, como diziam nos altifalantes, ao introduzirem aquele percurso, inscrito na lista de património da humanidade. Não há comunicações em português mas, sobretudo naquela noite em especial, eles não são fundamentais.
A viagem alonga-se uma hora e permite vislumbrar edifícios como Grand Palais (“A serío que aquilo é um Palácio? Não parece nada”, comentou a Pikitim, com dificuldade em aceitar a falta de torres e a existência de cúpulas de vidro), Les Invalides, o Museu D’Orsay (na foto) e o Louvre (“Isto ainda é o mesmo museu?? não acaba?? deve ter demorado séculos, e séculos e séculos a construir”, comentou a petiza) e, claro, a Notre Dame. Mas, mais do que os edifícios, foram as muitas festas das músicas que mais captaram a nossa atenção.
As margens do Sena são muitas vezes ocupadas, para piqueniques no verão, ao fim da tarde e ao fim de semana. Em dia de Festa da Música o ambiente torna-se mágico. Havia um programa oficial, e extenso, com muitos artistas, alguns de renome, todos com entrada gratuita. Nós optamos pela melhor versão de todas, esta espécie de voo planado, junto às margens, para ter uma visão o mais abrangente possível.
Foi essa a imagem que a Pikitim registou do desenho que quis logo começar a traçar, ainda estava no barco. Muita gente a tocar e a dançar. E algumas “casas-barco”. A Torre-Eiffel, que sempre domina a paisagem parisiense, não aparece. Nem depois de ela, a torre, nos ter feito a surpresa de se iluminar, numa espécie de incrível descarga eléctrica, quando estávamos a terminar o nosso passeio – acontece, diariamente, as 22h00. A Torre Eiffel haveria de ser a estrela do dia. Mas outro dia.
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[expand title=”Dia 2 – Paris de Bicicleta e Montmartre”]
Paris com Crianças Dia 2 – Passeio de Bicicleta e Montmartre
Para a manhã de sábado tínhamos planeado um dos programas que mais nos entusiasmava. Não somos aficcionados de bicicletas – aliás, neste momento, nem temos nenhuma cá em casa – mas somos dos primeiros a admitir que as viagens de bicicleta são as mais cómodas e as mais eficazes para nos permitir conhecer uma cidade. Uma das hipóteses mais populares, e baratas, é usar o sistema Velib, bicicletas públicas, que se pegam numa estação e se deixam noutra. O sistema perfeito, por exemplo, para descer os Campos Elíseos. Mas estas bicicletas não têm cadeiras infantis, nem há nenhum que sirva as crianças.
Já a empresa Paris à Velo C’Est Sympa tem isso bem pensado, e tem bicicletas tandem adaptadas a todas as idades. É possível alugar apenas as bicicletas, ou então contratar uma visita guiada por um dos quatro percursos que desenharam na cidade. Nós escolhemos uma bicicleta giraffe, e o percurso “Paris Insólito”. E fomos pedalar, durante três horas, com um grupo constituído por hoquistas holandesas.
A cidade está bem preparada para receber os ciclistas, mesmo aqueles poucos experimentados como nós. E, para além do guia, viajam com o grupo mais elementos para garantir a segurança da comitiva (e para resolver algum problema mecânico que surja).
Foi um belíssimo passeio, que deu para conhecer as ruas mais típicas e menos turísticas da margem sul parisiense. Alguns quarteirões que pareciam “casas de bonecas”, como a Pikitim chamou à Cité Floréale. Não custa acreditar que foi um bairro destes que inspirou o cenário do filme “Aristogatos” e, com alguma imaginação, quase que ouvíamos música trazida pelas bandas de gatos vadios.
Imaginação à parte, fizemos interessantes descobertas. A preferida da Pikitim foi a casa que o “sr Corbusier” desenhou na Square Montsouris para um amigo pintor. Uma janela estreita, com quatro metros de altura (pelo menos parecia), para que pudessem sair sem dano as gigantescas telas do atelier do artista…
O passeio inclui uma paragem para café num quarteirão algures no 13º arrondissment (esta ideia de começar a contar os “arrondissment, os bairros que se vão desenhando em espiral concêntrica, com o Louvre a definir o ponto de partida é muito eficaz! ninguém se perde!) e soube-nos muito bem a paragem para entrar numa boulangerie.
O cheirinho a pão está por todo o lado, havia uma máquina com cápsulas Nespresso a piscar o olho e a vontade de nos atirarmos a um chausson aux pommes já era grande. A paragem soube-nos ainda melhor quando a simpática dona do estabelecimento começou a tentar comunicar em português: o marido é de Vila Verde, no distrito de Braga, e as férias para Agosto em Portugal já estão marcadas. Como presente, a Pikitim acabou por ganhar um mini-éclair.
No final do passeio, estava na hora de nos encaminharmos para Montmartre. Saímos na estação de Metro Abesses porque queríamos espreitar o atelier de Picasso e aproveitar para ouvir os músicos que normalmente de juntam na Place Émile Goudeau. Mas a Festa da Música havia esgotado todos os artistas. No dia seguinte não havia por lá ninguém a animar os visitantes. Só havia os vestígios da festa (leia-se lixo) a mostrar que ela foi longa e animada.
Passámos horas na Place du Tertre, a ver os artistas a pintar. A Pikitim rodou-os a todos, várias vezes, a apreciar as técnicas e os motivos das pinturas. E depois “demorou-se” junto aos retratistas, até se decidir qual é que achava que a podia retratar. E posou como uma profissional, o tempo que foi preciso. “Está cheia de sono, ou concentrada?”, pensava eu, perante a postura. Estava as duas.
Depois de três quartos de hora a olhar fixamente para o artista, e após um chocolate quente num dos cafés pertos da praça, acabou por adormecer em pleno sofá. Ainda a levei, ao colo, até ao miradouro do Sacré-Coeur, mas estava a dormir profundamente. Continuamos morro Sacré Coeur abaixo, mas ela só acordou à entrada do túnel de metro. “Mãe, e o miradouro, ainda vamos ver?”, perguntou, acabada de acordar. A chuva tinha voltado, não houve força anímica para subir tudo de novo. “O miradouro vai ter de ficar para outra vez”. Estava na hora de procurar um sítio para jantar.
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[expand title=”Dia 3 – Paris Boémia, Marché aux Puces e Museu D’Orsay”]
Paris com crianças Dia 3 – Paris Boémia, Marché aux Puces e Museu D’Orsay
O calendário diz que é verão, mas as roupas das pessoas, sobretudo os seus rostos, dizem-nos que é Inverno. Há botas e sobretudos e gabardines em muita gente. Também há alças e sandálias, mas parece mais o desespero de quem quer, muito, que chegue o verão do que a razão a funcionar. Desde que é pequenina que a Pikitim, de vez em quando, nos pede para entrar quando vê um comboinho turístico a atravessar uma qualquer cidade . Nunca lhe fizemos a vontade. Desta vez o comboinho era todo apetrechado – tinha sistema de comentários em várias línguas (português não incluído), e um ecrã a chamar a atenção dos pontos de interesse.
É que está frio. Muito frio. Por isso, fazer um dos circuitos que propõe a empresa Another Paris pareceu apropriado: os comboios são integralmente panorâmicos, mas protegiam-nos da chuva e do frio que insistia. Escolhemos o circuito Paris Bohéme, que percorre vários pontos de interesse em Montparnasse incluindo o famoso mercado das pulgas, o Marché aux Puces.
Mas a Pikitim já estava muito impaciente pelo fim da viagem, sobretudo porque sabia que iria ter uma agradável surpresa à sua espera: iria rever uma das auxiliares do jardim de infância que frequentou até aos três anos. “Agora já sei dizer Fátima, mas gosto na mesma de lhe chamar Chaxa. É bonito”.
Fátima trabalhou em Paris 15 anos, e depois outros tantos em Portugal. Regressou à capital francesa há dois. Foi uma boa cicerone para nos acompanhar no passeio pela Notre-Dame e pela Pont de L’ Archevêché, da qual já não se vê o gradeamento, só cadeados a atestar promessas de amor eterno. “Os namorados vêm até aqui e guardam o amor dentro do coração. Depois fecham-no a sete chaves e atiram-na ao rio. Desta forma o amor ficar guardado, vai durar para sempre”, explicou-lhe Fátima. Foi o suficiente para ela não descansar enquanto não encontrasse assinaturas em português. Encontrou várias.
Depois da visita ao exterior do “isto-nem-parece-um-edifício” Centro Georges Pompidou, em cujas cercanias arranjarmos uma pizzaria para almoçar, e uma pequena incursão à entrada do Louvre (até porque ficava a caminho), o nosso destino seguinte foi o incrível Museu D’Orsay.
Olhando para o relógio do edifício, a Pikitim lembrou-se daquele onde vivia Hugo Cabret (viu o filme no festival Internacional de cinema em La Foa, na Nova Caledónia). Mas já sabia que não iria encontrar a animada estação de comboios onde se escondia o personagem de Scorcese. Dentro do magnífico edifício viviam, antes, muitas esculturas.
Ela ia lá entusiasmada por conhecer os pintores que faziam quadros com “pontilhismo” – foi assim que ela arrumou a informação que lhe tentei passar sobre os pintores impressionistas, mas a verdade é que ficou logo agarrada nas esculturas. “Este senhor está mesmo com uma cara triste. E é de pedra”, comentou, ao ler o título da obra de Jean-Joseph Perraud, “Le Desespoir”.
Ficamos no museu até fechar às portas – o que acontece relativamente cedo, ao domingo, às 18h30 – mas ainda tivemos tempo de ver obras de Toulouse-Lautrec e ainda várias formas de desenhar bailarinas e os movimentos da dança – os esquissos das “danseuses” de Dégas captaram a atenção da Pikitim. No final não lhe foi difícil de eleger um quadro preferido – a Noite Estrelada, de Van Gogh.
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[expand title=”Dia 4 – Torre Eiffel”]
Paris com crianças Dia 4 – Torre Eiffel
Deve acontecer a todos os que visitam Paris com crianças: a mais forte motivação da Pikitim era poder subir à Torre Eiffel, e ver de lá de cima “as pessoas minis, minis lá em baixo”.
A petiza não é dada a vertigens, e fica animada com os desafios. Mas, aqui, o maior dos desafios não seria superar os muitos lanços de degraus para a escalar. O desafio é suportar as gigantescas filas que, invariavelmente e diariamente, desenham serpentes intermináveis no Champ de Mars, por baixo dos quatro pilares da torre.
Não percebemos quando é a melhor altura para visitar a torre – isto é, se haverá algum horário muito melhor do que outro que traga garantia de filas mais pequenas. Isto porque mesmo às primeiras horas da manhã começam a chegar as “excursões” com grupos de visitantes. Nós tivemos o privilégio de poder subi-la mais rápido, usando o elevador de serviço que se consegue através de uma autorização especial que, a pedido, pode ser concedida a jornalista.
Mas se evitamos a fila à subida, não escapamos à fila para a descida. Todos os elevadores são poucos para a quantidade de gente que, diariamente, faz aquela visita (são 7,5 milhões de visitantes por ano!); e no plataforma mais alta de todas, a do 3º andar, só podem estar 800 pessoas de cada vez (a sério que cabe lá esta gente toda????) e temos de esperar (muito) tanto para subir como para descer nos elevadores.
Apesar da espera, para a qual se recomenda paciência e alguma dose de imaginação, temos de dizer que é algo que se recomenda. Porque nada pode substituir a visão de Paris a partir daqueles 324 metros e que permite, em dias de céu limpo, uma visão que pode atingir os 72 km. Mas que, na verdade, parece que se estende até ao infinito.
Uma das formas de entreter as crianças mais impacientes é aproveitar as informações e curiosidades que estão inscritas a cada canto das paredes – porque a Torre Eiffel deixou rapidamente de ser apenas o símbolo para que foi projetada, para se transformar num importante laboratório científico.
Para quem viaja com crianças a Sociedade de Exploração da Torre Eiffel disponibiliza um pequeno booklet com informações e atividades, que ajuda a transformar a visita numa ainda maior aventura. Nós também o usamos, mas considero que ele é adequado para crianças um pouco mais velhas que a Pikitim, na faixa dos 8-12 anos de idade.
A cada patamar conquistado (são três!), a Pikitim regalava-se com a paisagem. As pessoas começaram a ser minis, depois mini-minis, depois eram “mais pequenas que formigas”, as pessoas eram “quase desaparecidas”. Tentava sempre encontrar a Notre-Dame no horizonte, o Louvre, o Sacré-Coeur. E ia perguntando o que eram aquelas cúpulas douradas, ou aquelas outras silhuetas de prédios.
A verdade é que a Pikitim nunca se aborreceu. Nem nas filas, sobretudo aquela mais demorada, à espera do elevador de dois andares que devolve os visitantes do segundo patamar à terra firme. Ter encontrado um grupo de crianças portuguesas em visita de estudo também ajudou.
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Ainda tínhamos pensado uma ida ao museu Paris-Story, para fechar a visita, mas a manhã já estava quase concluída, e o voo de regresso estava a pouco mais de três horas de distância. Optámos por não andar em correrias, nem em desafiar o stress. É preferível andar devagar, e usufruir.
O Paris-Story e o miradouro de Montmartre vão ter de ficar para outra visita. Porque vale a pena, sempre, regressar a Paris.
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