As cores do crepúsculo tomavam já conta da praia Loh Pa Ret quando lá chegámos, na costa oeste da ilha de Koh Yao Yai, local que escolhemos para primeiro poiso na Tailândia. O turismo de massas passa por enquanto ao lado de Koh Yao Yai e, em plena época alta nas vizinhas Phuket e Railay, o areal deserto de Loh Pa Ret era exactamente o que procurávamos. Apesar do sol há muito se ter despedido dos pescadores locais, a água tépida foi um chamariz irresistível para a Pikitim. Era o seu primeiro banho no mar Andaman. Mergulhou, nadou com as suas braçadeiras, brincou e gargalhou, iluminando de felicidade a escuridão da praia. E, então, deitada de costas tentando boiar, sorriu e resumiu o que lhe ia na alma: “pai, isto é que é vida!”.
É, sim. Uma vida de viajante a que se familiarizou com assinalável facilidade. Como se a tivesse vivido desde sempre. Fazer e desfazer mochilas, andar de avião, metro, barco ou tuk tuk, viver em movimento com a casa às costas, conviver com a diferença, respeitá-la, adaptar-se a ela. No caso, uma ilha maioritariamente muçulmana, onde as meninas andam na praia e nadam completamente tapadas e com lenços na cabeça. Onde é preciso deixar as sandálias à porta das casas, supermercados e restaurantes. A tudo a Pikitim se habitou instantaneamente, como se pertencesse ali, ao mundo, onde quer que esteja.
À entrada de um minimercado onde fomos comprar leite, a mãe não reparou nos pares de chinelos à porta e esqueceu-se de tirar as havaianas. Foi a Pikitim quem a chamou a atenção, e todos na loja se desataram a rir. E, quando viu um barracão de praia com as paredes esburacadas e o tecto caído, comentou: “olha para esta casa, devem ser muito pobrezinhos aqui.” Pois, Pikitim, nem toda a gente tem o dinheiro suficiente para comprar as coisas que precisam. “Mas as pessoas deviam partilhar o dinheirinho com as outras pessoas que não têm; eu também dei livros da minha prateleira aos meninos que não têm”. As sementes da tolerância e solidariedade começam a germinar…
Koh Yao Yai é uma ilha simples. Na pequena aldeia onde nos alojamos quase não há resorts: apenas uns bungalows na praia e um outro refúgio embrenhado numa “floresta” de seringueiras, um dos pilares da economia local. Foi onde a Pikitim se começou a familiarizar com bichos, bichinhos e bicharocos em estado selvagem, como a “orquestra de pássaros” e os macacos que nos presenteavam todos os dias com as suas brincadeiras nos ramos das árvores. “Isto de noite é um bocadinho assustador”, disse, numa noite mais ventosa em que atravessámos de lanterna em punho o trilho florestal que separava a estrada da aldeia do nosso pequeno refúgio. Na escuridão, o vento e a sinfonia de sons animais que emanavam da “floresta” era de facto assustador, mas não foi isso que nos tirou de Koh Yao Yai – apenas a vontade de conhecer outras paragens.
Temos por hábito informar a petiza sobre os nossos planos. “Amanhã vamos para outro sítio. E sabes como vamos viajar? Num barco”, dissemos. “Só um?”, perguntou, desiludida, como se apenas “um barco” fosse coisa insignificante. Na verdade, chegámos a Railay após uma viagem numa “carrinha [de caixa aberta] como a do Tio Filipe, mas com bancos atrás”, um ferry, um tuk tuk, um barco para o qual foi preciso subir a pulso com as mochilas e a água a dar pela cintura da Pikitim e, por fim, uma caminhada a pé onde a pequenota foi já carregada às cavalitas.
Estaria a parecer-lhe demasiado esforço para chegarmos à nossa nova casa, que ficava na zona leste de Railay. O calor era muito, e a distância parecia interminável. Mas quando viu a “casinha da árvore” que a esperava foi como se, de repente, tudo tivesse valido a pena. Soltou um sonoro “uau!” ao verificar a vista da varanda – com muitas árvores onde se passeavam macacos e um imenso mar como pano de fundo. “Que fixe: uma casa na árvore a sério! E tem uma vassoura e tudo, para termos a casa sempre limpinha”. E logo começou a varrer, qual Branca de Neve chegada à casinha dos Sete Anões.
Passado o entusiasmo inicial da descoberta de todos os recantos da “cabaninha”, não foi difícil convencê-la a experimentar a praia de Phra Nnang. O percurso, apesar de relativamente longo, revelou-se “emocionante” – e as palavras são dela! -, porque continha uma espécie de gruta nas formações calcárias rapidamente apelidada de “passagem secreta” e muitos primatas nas árvores para observar. “Mãe, eu e o pai vimos um macaco a fazer xixi”, repetiu até à exaustão. Chegados à praia, o espanto dividiu-se entre as águas cristalinas, os penhascos calcários com gente a praticar escalada e a quantidade de pessoas que povoava o areal.
Vindos de Koh Yao Yai, a península de Railay parecia absurdamente cheia de gente, de barulho, de lixo, de tudo. Railay fica próxima da movimentada Ao Nang e, por isso, no pico da época de veraneio recebe centenas de excursionistas que ali afluem para passar o dia no areal de Phra Nang. É, de facto, uma praia deslumbrante, com inúmeras grutas e formações calcárias a pontilhar toda a paisagem, conferindo-lhe uma ambiência a lembrar Halong Bay, no Vietname, mas com areia branca e água quente e transparente. Mas notava-se bastante a época alta e era preciso alguma persistência para encontrar um lugar com sombra onde estender uma toalha. Não que a Pikitim se importasse com isso, até porque pouco parava no areal; os seus dias eram passados alegremente no mar.
No horizonte, uma rocha saía das águas temperadas como a ponta de um iceberg tropical. Num desses momentos na água, a Pikitim desvendou que, um dia, tinha sonhado com aquela rocha e que nesse sonho ela “estava na rocha com o pai”, tinham um balão e voaram nele. “Encontramos o balão e decidimos vir a voar até aqui. Depois, o balão ficou sem ar na areia e fomos a pé até casa”. A imaginação de uma criança é deliciosamente ilimitada, e privar com isso é um privilégio.
Antes de deixarmos Railay definitivamente, depois de avistar macacos no trilho a caminho de casa a que apropriadamente chamou “Floresta dos Macacos”, a Pikitim escutou num rádio a música dos desenhos animados Tom Sawyer, onde a páginas tantas se entoa “descobrir o mundo, viver aventuras”. A petiza parou de cantar, reflectiu por uns instantes e, de sorriso aberto, concluiu: “pai e mãe, mas isso é o que nós estamos a fazer”.
Name diz
Olá!
Antes de mais, muitos parabéns pelo projecto.
É um prazer imenso acompanhar-vos nesta aventura extraordinária.
Preparo viagem a Koh Yao Yai em Agosto e gostaria de contar com a vossa ajuda. Estou com dificuldade em conseguir informação quanto aos meios de transporte na e de/para a ilha.
Pretendo chegar a partir de Phuket e seguir por krabi.
Muito obrigado!
Por favor continuem! O que fazeis é uma inspiração!
Abraço!
Paulo Santos.
Luísa Pinto diz
Olá Paulo
Espero que goste de koh Yao Yai tanto como nós gostamos. É muito fácil chegar à ilha, desde Phuket. Foi exactamente o que fizemos: chegados a Pukhet apanhamos um taxi para o pequeno porto de onde saem os water taxis para Koh Yao Yai. Nós ficamos alojados com a Yamalia (Heimat Gardens), e ainda hoje a Pikitim se lembra das saladas de fruta que nos trazia ao pequenos almoços. Pode consultar a pagina dela onde tem informações sobre os ferry (http://www.heimatgardens.com/ferry_times.php) para Pukhet e para Krabi
Boa viagem!