Desde que chegamos aos Estados Unidos da América que decidimos experimentar uma nova forma de alojamento: sem ser em hotéis, pousadas e muito menos nos tão populares motéis que proliferam pelas estradas norte-americanas, mas antes em casas de habitação. Pessoas que listam estúdios, apartamentos ou os quartos disponíveis num sítio na internet e que, sub-alugando esses espaços, se dispõem a partilhar um pouco das suas casas e das suas vidas com os viajantes que lhes pedem guarida.
Foi assim que conhecemos Michelle e os seus dois filhos, quando ficamos perto de Anheim, e a Pikitim se deliciou com o boxer que se passeava lá por casa; foi assim que conhecemos os dois gatos persas de Anna Elisabeth, que cedeu a cama e os peluches dos seus filhos à Pikitim, quando nos deu alojamento bem no centro de Hollywood; e foi assim que conhecemos Bryce e Kate, um casal sem descendentes humanos mas com três filhos de quatro patas.
Mais coincidência do que propositado, a verdade é que nas casas em que tínhamos ficado havia sempre animais domésticos, e isso foi meio caminho para a Pikitim se sentir feliz. Foi por isso que o ponto alto da viagem entre Los Angeles e São Francisco – feita, com calma e sem pressas, por uma estrada com a reputação de ser uma das mais cénicas do planeta – foi a estadia no “mini-rancho” de Arroyo Grande. É que, quando procurávamos alojamento entre Santa Barbara e San Luís Obispo – entendendo ser por aí um bom sítio para cortar a viagem de 700 quilómetros que separa Los Angeles de São Francisco, não resistimos em tentar o alojamento num sítio onde os donos informavam da presença entre as cercas de dois cavalos, sete galinhas, dois gatos e duas cabras, e ainda três cães de grande porte com acesso a toda a casa. “Podemos ir já para lá?”, insistiu a Pikitim inúmeras vezes durante a viagem, dizendo, até, que nem precisava de ir conhecer a Missão de Santa Barbara como estávamos a sugerir.
Contrariada, lá a conseguimos convencer de que iria valer a pena visitar uma das mais conservadas missões da Califórnia. “Os espanhóis também estiveram aqui? E aqui gostavam deles, ou foi como nas Filipinas e tiveram de andar sempre à luta?”, perguntou, após a pequena introdução ao que iria visitar. Dentro da velha missão foi vendo, curiosa, a forma como os padres viviam em comunidade com a população, a quem ensinavam (para além do catolicismo) a lavrar a terra e algumas artes criativas. Ficou contente por não ver sinais de lutas mas percebeu que, na Califórnia tal como nas Filipinas, os espanhóis acabaram por ir embora. Não nos alongámos nas explicações históricas, até porque era hora de seguirmos para o mini-rancho.
Chegamos a Arroyo Grande perto do fim da tarde, com o sol ainda quente e o alpendre com vistas para a quinta mais do que convidativo. Bryce ofereceu-nos um copo de vinho branco, Kate aliciou a Pikitim a ir recolher ovos e a dar comida às cabras e aos cavalos. Estávamos conquistados. “Isto é que é um mini-rancho, mãe? Podemos não ir embora daqui?”, disse logo no primeiro dia. Ainda haveríamos de ficar mais dois, e a paixão pela Pearl, pelo Tavi e pelo Blue, os três filhos de quatro patas de Bryce e Kate parecia que iria ficar para sempre. Na manhã que haveríamos de voltar à estrada, e encaminharmo-nos para Monterey, a Pikitim foi buscar o seu caderno para desenhar aqueles três cães de que tanto tinha gostado.
“Eu agora aprendi a desenhar melhor [referindo-se às “aulas” com os desenhadores da Disney] e gosto de desenhar as coisas de que gosto muito, para me lembrar para sempre”, tentou explicar à Kate, enquanto lhe pedia para pôr o nome dos cães por baixo do desenho respectivo.
Estávamos então de partida para norte, e a pulsão por desenhar aquilo que mais a marca aconteceu de novo, nessa mesma tarde, quando percorríamos os quilómetros mais fotogénicos da estrada entre Santa Bárbara e São Francisco.
A primeira paragem foi logo a mais demorada, e ainda nem tínhamos entrado do “chamado” Big Sur, o troço mais bonito do trajeto. Na inóspita praia de Piedras Brancas, a algumas milhas a norte da cidade de Cambria, o areal encostado à famosa Highway 1 estava repleto de leões-marinhos. Ficámos largos momentos a avistar a população desta vasta colónia, e a ver como eles se locomoviam, com dificuldade. “Já reparaste que são as ondas que os estão a ajudar a vir para a areia? Quando vem o mar, aquele leão-marinho consegue andar melhor na areia”, reparou, deslumbrada, a Pikitim. Eram muitas dezenas, ali deitados ao sol, quase sempre imóveis. De vez em quando lá levantavam a cabeça e esboçavam uma luta preguiçosa, mas a maior parte do tempo estavam mesmo a dormir ou refastelados no areal a apanhar banhos de sol.
Depois de entrarmos no Big Sur, uma estrada de 145 quilómetros que serpenteia a costa californiana com paisagens tão dramáticas quanto belas, haveríamos de parar incontáveis vezes para admirar o cenário. Numa delas, e de cima de uma pedra de onde podia melhor contemplar a paisagem, a Pikitim voltou a pedir os seus cadernos. “Desculpem lá, tenho mesmo de desenhar isto”. E desenhou: o mar, as rochas, as árvores, as flores, o céu, o sol, o azul.
Estávamos quase a chegar a Monterey quando uma espécie de frustração bateu à porta. Não tínhamos encontrado casas onde ficar alojado cujo preço não fosse um atentado, pelo que não tivemos outra opção senão acabar a noite num motel. Na verdade, o primeiro “motor hotel” do mundo surgiu na Califórnia, e isso poderia ser motivo para experimentar um dos muitos que pululam nas estradas norte-americanas. Mas, depois de experimentarmos o conforto das casas com gente dentro, é difícil gostar destes espaços tão impessoais, tão iguais uns aos outros. “É uma pena que não podemos ficar hoje na casa de alguém. Eu gosto mais. Sobretudo quando tem animais”, resumiu a Pikitim.
nicolau schmitt cabral diz
Ola estou adorar este vosso blog da volta do mundo e estou seguindo a vossa viagem através do Publico ou através do blog da pikitim.