Estávamos no cima do monte Bob, em Queenstown, a contemplar a magnífica paisagem do lago Waikatipu e das montanhas The Remarkables. E começamos a ver o primeiro salto de parapente; depois o segundo, logo a seguir o terceiro. A Pikitim suspirou: “deve ser tão bom ver a paisagem de lá de cima, como se andássemos a voar”. Eu suspirei de seguida, e confessei que sempre tive esse sonho e vontade: experimentar a sensação de voar, de sentir o céu na cara e debaixo dos pés, de preferência a elevadas velocidades. Era vésperas do meu 37º aniversário, e pai e filha decidiram ali qual seria a forma de me surpreender: oferecendo-me um mergulho no céu.
A oferta de experiências de skydive existe em muitos locais da Nova Zelândia – inclusive na cidade de Queenstown, onde então estávamos. Mas decidimos esperar pela chegada ao local onde mais saltos se fazem em todo o país, e onde a paisagem é reconhecida como notável: o maior lago da Australásia e a cidade de Taupo. Desde que soprei à vela enfiada num saboroso queque de laranja e chocolate, até que concretizei o sonho de mergulhar nos céus passaram-se mais de três semanas. Mas valeu bem a pena a espera.
No dia em que realizei o salto, estava céu limpo e pouco vento, e as condições de visibilidade eram, por isso, perfeitas. No solo, e antes de nos começarmos a preparar para a subida, alguns membros da empresa iam dando indicações sobre como tudo se iria passar: nós poderíamos escolher entre saltar a 9, 12 ou 15 mil pés de altitude (naturalmente, consoante a altitude que escolhêssemos, maior ou menor tempo em queda livre poderíamos desfrutar).
A queda livre faz-se até à marca dos 5 mil metros, altura em que o paraquedas se abre. E aproveitaram para avisar que de um salto a nove mil pés a sensação de queda é muito rápida, mal temos tempo para a apreciar. Num voo de 12 mil, é quando nos começamos a habituar à velocidade que o paraquedas abre; e que no salto a partir dos 15 mil pés poderemos aproveitar melhor a sensação da queda livre, já que temos tempo para nos habituar à velocidade, e para melhor usufruir da descarga de adrenalina que, inevitavelmente, iríamos sentir. Depois vieram as explicações.Com este tipo de argumentos, é difícil resistir a optar pela solução mais cara e saltar dos 15 mil metros.
Comigo iria Brad, instrutor da Taupo Tandem Skydive, um brincalhão que saltou a primeira vez há 23 anos – mas que me respondia que já saltava todos os dias há quase três semanas e que lhe faltava só mais um salto para poder fazê-lo sozinho. Ir com alguém experiente e com elevado sentido de humor deixou-me ainda mais bem-disposta e animada. Estava mais do que preparada para a maior experiência com adrenalina da vida.
O voo até aos 15 mil pés durou pouco mais do que 15 minutos – só havia dois clientes no avião e por isso ele estava mais leve do que o habitual. Foi durante esse quarto de hora que me permiti contemplar a paisagem a perder de vista. Subimos tão alto que era possível ver ambos os lados (este e oeste) da ilha Norte, tendo aquela enorme massa de água bordejada pelas montanhas nevadas e os vulcões que integram o chamado anel de fogo do Pacífico Sul a nossos pés.
Foi quando Brad me tocou no ombro e pediu para me sentar em cima dele. Literalmente. Era a hora de deixar que aquele desconhecido se amarrasse a mim pelas costas. Deu-me de seguida umas luvas para calçar e pediu-me para colocar uns óculos. Respirei fundo, estava pronta.
Primeiro saltou Taksim, uma britânica de Cornwell, depois de ter pedido ao seu instrutor para não fazer demasiadas acrobacias. Brad não me perguntou nada, e eu também não o condicionei. Mas tinha percebido que quanto mais “piruetas” com o paraquedas fossem dadas, mais rápido chegaríamos ao chão. Eu não queria que o voo fosse mais curto, mas também não queria deixar de experimentar as piruetas. Não lhe disse nada. E Brad nada me disse.
Imagino que esperou para ver a minha reação no ar para perceber até onde poderia ir. A única indicação que me deu foi a de que deveria segurar umas fitas que me seguravam junto aos ombros, até que ele me avisasse para o deixar de fazer: a partir de então já podia abrir os braços, fazer o pino, o que quisesse…. “E gritar, posso?”, perguntei eu.
Tal como a Pikitim gosta de dar gritinhos de “weeheeeeee!” quando anda de carrossel ou quando a estrada faz uma descida abrupta. Sei o quão bem sabe dar um grito, de vez em quando. “Sempre que quiseres!”, respondeu ele. “Ninguém te vai ouvir. Só eu. Podes insultar quem quiseres! Até a mim. Prometo que não me esqueço de abrir o paraquedas”, brincou.
A Taksim já tinha desaparecido de dentro do avião e eu sem quase dar por ela. “Our turn now!”, gritou Brad (sim, é preciso gritar, que o avião não tem portas e o barulho é muito). Já estava empoleirada com as pernas de fora do avião, sentada em cima de Brad quando ele me diz “Look here! Smile”, e o resultado é a foto que veem em cima.
Saltamos. Foi brutal. A sensação de velocidade é quase aterradora (200 quilómetros / hora), o vento gelado corta a cara, os dedos parecia que iam saltar das mãos (nem parecia que tinha luvas polares!) e adrenalina era tanta que só apetecia gritar. É impossível não o fazer, porque sabia tão, tão bem! Estar com a boca toda aberta, a projetar sons ininteligíveis… e a sentir aquela enorme massa sob nós.
De repente, chegamos aos 5 mil pés, o paraquedas abre e nós travamos tão abruptamente que parece que ficamos parados no céu, sentados. Como se estivéssemos empoleirados num trono altaneiro, ou no cadeirão na primeira fila para contemplar um espetáculo único. “Welcome to my office!”, gritou-me Brad. “You lucky bastard!”, respondi-lhe.
Do escritório do Brad a paisagem é deslumbrante. E a descida de paraquedas, ainda sob o efeito do pico de adrenalina sentido com a queda livre é indescritível. Sublime. O Brad começou a balançar, para a esquerda, para a direita… e eu senti-me como um dos muitos falcões que já havíamos visto pelos céus da Nova Zelândia. “I can fly!”, apeteceu-me gritar. O Brad ria-se. Agora já sabia qual era a sensação de comer o céu, senti-lo em todas as partes do nosso corpo; e a de planar majestaticamente, como fazem as aves de rapina. Era ainda melhor do que havia imaginado.
O chão aproximava-se cada vez mais, e eu não tinha nenhuma indicação sobre o que deveria fazer. Nem é preciso. É instintivo. Sentimos quando devemos tocar com os pés no chão, e somos impelidos a correr um pouco, até cair.
“Are you ok?”, perguntou-me Brad. Claro que sim, respondi eu. Tanto, e tão bem, que até gostava de ir lá acima atirar-me de um avião outra vez. Ainda não me tinha levantado do chão e já a Pikitim se abraçava a mim, com um desenho na mão. Enquanto eu fui às nuvens e voltei, ela ficou em terra, agarrada aos marcadores para registar o meu salto. Está tudo lá, no desenho. Pudesse ele passar a emoção que a mãe sentiu lá em cima, e estaria perfeito.
calita diz
Que maravilha!!!!!! quando é que podemos ver o desenho da Pitikim? Vamos poder ver alguns dos desenhos dela, não vamos?
Cris diz
Luisa, adorei! A melhor descrição de skydive que alguma vez li.
E que sorte, teres visibilidade de este a oeste da ilha!
Fantástico!!
Bjinhos para os três, continuação de boa viagem!
Luísa Pinto diz
Obrigada, Cristina
sandra diz
Amei a descrição.
A Luísa encanta-me sempre com a sua escrita, devia de escrever livros. Estou à espera de um livro sobre as viagens da Pikitim com desenhos dela – se o Gulliver teve direito e ninguém o conhece de lado nenhum a nossa menina é a nossa heroína que nos faz sonhar :)))
Luísa Pinto diz
Vamos pensar nisso com todo o carinho… Se pensarmos em mais leitoras entusiasmadas como a Sandra,não temos como não o fazer! Ehehe
Cristina Cardoso diz
Olá Luisa,
Ao ler o artigo fiquei bastante melancólica, poi foi também no meu aniversario (ha 5 anos) que saltei de paraquedas, no mesmo sítio do que tu, em TAUPO. Que saudades… Felicidades!
Luísa Pinto diz
Olá Cristina
Eu também já saltava outra vez 😉
Beijinhos