Foi uma pergunta que andou na cabeça de muita gente, e, confesso, passou pela minha também. Como é que seria andar a calcorrear vários países do mundo com dietas e gastronomias tão diferentes das nossas? A questão tem maior pertinência se estivermos a falar de uma criança viajante de apenas cinco anos, naquela idade em que já diz que não gosta mesmo sem antes tentar provar.
Era o caso. A minha filha era dessas, das esquisitinhas a comer. Sopa, tinha que ser toda passada (dizia que se engasgava se lá encontrasse “couves”), as carnes vermelhas eram um castigo de comer. Era preciso mastigar muito, e isso dava trabalho. Na verdade, ela comia apenas por obrigação. Com o chocolate, sim, havia prazer. Mas isso só fazia dela uma criança gulosa como as outras.
Alguns amigos, também eles pais de crianças nessa faixa etária, fizeram muitas vezes a pergunta: “E se ela não gosta da comida, como vão fazer?!”. E apressavam-se a tentar adivinhar a resposta: “ Bem, há McDonald’s por todo o lado…”. Pois há, confirmo que há McDonald’s, e outras cadeias muita parecidas, um pouco por todo o lado. Mas isso não era solução para a Pikitim. Com ela nem os hambúrgueres – sim, leram bem, nem os hambúrgueres – tinham grande saída.
A nossa viagem de volta ao mundo fez muitos milagres pela dieta alimentar da Pikitim. Mas o milagre principal que aconteceu foi mesmo comigo. O milagre de conseguir não me preocupar demasiado. Bem me dizia o pediatra dela que “nenhuma criança morre à fome quando tem comida à frente”. Eu percebia a frase e até concordava com ela. Mas não deixei de fazer aquelas cenas tristes de andar atrás dela pelo jardim fora, de colher em riste e a repetir tentativas para que comesse um iogurte enquanto andava distraída. Tinha ela pouco mais de dois anos. E era um tormento para comer.
As coisas mudaram muito. Começaram a mudar um pouco antes da viagem, mas foram os meses que passamos na estrada que se tornaram determinantes. Ela começou a experimentar outras comidas, claro. E rapidamente se entusiasmou a tentar comer como os locais – com os pauzinhos, ou até mesmo, com as mãos. E eu comecei a não me preocupar demasiado.
A única coisa que tive de abdicar, mais do que gostaría, foi da diversidade da sua alimentação. Encontramos menos peixe do que gostaríamos – apesar de termos passado largos meses em ambientes insulares. A alimentação em viagem da Pikitim foi inicialmente feita muito à base de arroz e frango. Os pedidos de fried rice, na Tailândia, ou nasi goreng, na Malásia, tornaram-se um hábito. No final, ela cresceu como devia, ganhou mais peso do que nunca (mais massa muscular que gordura, que as costelas continuavam a notar-se nas costas) e conseguiu resistir, ainda e sempre, aos hambúrgueres. Foi uma volta ao mundo sem McDonald’s. Ou quase.
PS – Fui durante alguns meses cronista do portal Sapo Crescer – que entretanto mudou de nome, para Sapo LifeStyle. Por considerar que alguns textos permanecem actuais, e por já não os encontrar online, republico-os aqui.
Rodrigo Viterbo diz
Obrigado pela partilha e ainda bem que os colocas aqui também porque gostei muito do artigo!