Estávamos na Indonésia a planear os trilhos que haveríamos de percorrer na costa oeste da Austrália, quando o aluguer de uma caravana surgiu naturalmente como a melhor opção. Os transportes públicos são caros e não abundam e o preços dos alojamentos também se revelava proibitivo. Apesar de continuar a não ser uma opção barata, parecia óbvio que viajar de autocaravana seria a mais prática e económica.
Fechámos os olhos à fatura e pensamos na parte romântica da aventura: aquela que nos permite escolher o ritmo a que viajamos e onde dormir (não é propriamente onde nos apetecer, porque há regras e até são muitas, mas a escolha é igualmente abundante): se bem perto da costa, a ouvir o mar, se apenas debaixo das estrelas, a ouvir os ventos e os animais.
Quando dissemos à Pikitim que iria ser logo na Austrália que iríamos experimentar viajar numa “casa com rodas” (e não somente na Nova Zelândia, como inicialmente previsto), ela ficou imediatamente com elevadíssimas expectativas. Mas a desilusão que manifestou, assim que entrou na campervan pela primeira vez, foi proporcional às expectativas. “É pequenino! Isto afinal não parece ser lá grande coisa”, reagiu, desalentada, olhando para os grandes embrulhos espalhados pelo carro (com sacos cama e toalhas de banho) e tentando desesperadamente perceber onde seriam camas, a mesa, o que quer que fosse.
Tinha estado a ver um vídeo com explicações sobre a campervan, sabia que havia um frigorífico, um fogão e um micro-ondas (e esses até estavam à vista), mas não estava a perceber como é que aquela “carrinha” ia passar a ser a sua casa nas próximas semanas.
Todos éramos estreantes nestas andanças de viajar em autocaravanas, e apenas o pai tinha sido, até agora, praticantes da vida de campista. Talvez por isso, facilmente me deixava espantar com o profissionalismo demonstrado por alguns “vizinhos” dos muitos parques de caravanas em que fomos pernoitando. Boa ou má, a verdade é que todos nós teríamos de nos habituar a esta nova forma de viver.
Passadas três semanas, podemos dizer com propriedade que é boa. E ninguém está desiludido. Bem pelo contrário.
Escolhemos uma campervan média. Um pouco maior que as carrinhas backpacker, que se limitam às malas térmicas e a parcos colchões, mas ainda assim muito mais pequenas que as motorhomes gigantescas que vimos na estrada. Este compromisso com o médio revelou-se ser o mais adequado para nós. Não tínhamos casa de banho nem chuveiro (tínhamos de usar as instalações públicas e as dos parques de caravanas onde pernoitávamos), mas havia um frigorífico para a comida não se estragar, fogão a gás para cozinhar e micro-ondas para aquecer a comida. O carro também vinha equipado com torradeira e chaleira elétrica, eletrodomésticos que, tal como o micro-ondas, só funcionam quando o carro está estacionado e ligado à corrente elétrica.
Isso acontecia nos parques para caravanas. E na Austrália abundam destes parques. Têm lugares para tendas, campervans, caravanas (atrelados) ou motorhome, locais powered ou unpowered (com ou sem ligação à eletricidade), e ainda cabines e chalets mais ou menos luxuosos, todos a custar sempre mais de 100 dólares australianos.
Os powered sites eram tudo o que precisávamos para a nossa multifacetada campervan, que tinha camas para todos: os assentos traseiros, com ajuda da mesa que encaixava milimetricamente entre tábuas e almofadas, transformavam-se numa cama suficientemente espaçosa. E sob as nossas cabeças, quase encostado ao telhado da carrinha, surgia uma outra cama, que até se revelou mais confortável (lá em casa os nossos colchões são duros) e igualmente espaçosa. Era a preferida da Pikitim, que sempre se entusiasmou com beliches, e gostava de trepar as íngremes escadas para chegar à cama.
Apesar de não ser oficialmente recomendada para crianças pequenas (a haver tombos, a queda seria grande!), era lá que ela queria dormir quase sempre. Uma preferência que também se tornou útil para os pais, nas noites em que se queriam deitar mais tarde, e continuar com a mesa montada, seja para escrever textos como este ou para acabar de tragar um café solúvel (é uma pena estas caravanas não terem uma Nespresso incorporada, mas a verdade é que nos habituámos a tudo, mesmo à falta de café de qualidade).
Os homens são, de facto, animais de hábitos. E, se no primeiro dia, parecia reinar a confusão – onde arrumar a roupa e as nossas coisas de higiene? E a mercearia? E aquela mangueira para encher o depósito de água ou o enorme fio para ligar o carro à eletricidade? E a pá e a vassoura? E os brinquedos e cadernos da Pikitim, que têm de estar sempre acessíveis mas não podem andar à solta? -, depois de ter resposta para todas as pequenas-grandes questões, tudo pareceu mais fácil.
Mesmo assim, continuaram a acontecer situações desconfortáveis ligadas à organização do espaço, especialmente porque a mercearia ficava debaixo dos bancos, o que obrigava quem lá estivesse sentado a levantar-se sempre que algum ingrediente para o jantar ficava esquecido. E também não nos habituámos a confirmar, com eficácia, se tínhamos o calçado todo dentro de portas quando arrancávamos para novo destino – a “mania” de deixar as havaianas no degrau da porta fez com que cada um de nós, a determinada altura da viagem, ficasse descalço de um pé.
Apesar da prática tornar as coisas mais fáceis devemos, ainda, ser honestos e admitir que desfazer as camas e dobrar lençóis e sacos-cama todos os dias, e fazer uma ginástica para os encolher e arrumar, não é o sonho de ninguém. Ou que, ainda pior, não dá para reprimir a vontade de ir à casa de banho a meio da noite quando as madrugadas já são frias.
Felizmente, as vantagens são muito mais numerosas. Por exemplo, poder sair da estrada para espreitar um miradouro e decidir que é ali, com o mar aos pés e rodeados por uma paisagem deslumbrante que queremos almoçar; ou parar numa praia para dar um mergulho ou fazer snorkelling quando tal não estava programado, apenas porque decidimos seguir um trilho distinto.
Na nossa “casa sobre rodas” estava sempre tudo à mão. Sobretudo para a Pikitim, que não prescindia de ter a mesa montada para desenhar e pintar, mesmo com a carrinha em andamento. E bastava-lhe ver uma “árvore tombada” ou avistar um pequeno tubarão de cima de um miradouro para passar desde logo essas imagens para o papel. Ter uma mesa para brincar, desenhar e pintar revelou-se a melhor antídoto para a pergunta do “ainda falta muito para chegarmos?”. E as distâncias são mesmo looooooooooooooongas. Mas, nessas alturas, parecia-lhe mais que estávamos dentro de “casa” e não dentro de um carro. Aliás, por uma ou duas vezes, chegados de uma caminhada num parque nacional ou de um mergulho numa praia , a Pikitim corrigia-me quando eu dizia que estávamos a chegar ao carro: “Estamos a chegar a casa, mãe”. E esse é um sítio onde sabe sempre bem chegar.
Joana Custoias diz
Olá família Pikitim! Adoro as vossas aventuras! Será que me podem dizer como alugaram a campervan (site, amigos, etc) e qual o custo total do aluguer mais pernoitas nos parques e combustível? Já agora que trajecto fizeram? Ando a planear uma viagem semelhante de Cairns a Sidney sempre pela costa e gostava de ter ideia do custo. Obrigada e continuação de boa viagem.
sandra diz
Adorei a casa. Gostava de ter uma maior, deixar tudo para trás e ir…