Tenho aqui falado muito sobre viagens em família. E como uma família pode ter muitos membros, chegou a hora de falar das experiências de viagens monoparentais.
Eu já fiz muitas viagens com a Pikitim sem o pai. Já apanhamos muitos aviões para ir ter com ele, ou para ir ter com outros familiares ou amigos. Ter um pai viajante traz disto: muitas vezes ele não está em casa; e eu tento não deixar nada por fazer por causa disso.
Porém, o melhor exemplo que tenho para partilhar não é o meu. É o de uma mãe britânica, que conheci no Laos, que andava a viajar sozinha pelo mundo com o seu filho de cinco anos.
Conheci Laura da primeira vez que fui ter com o pai da Pikitim, durante a sua primeira viagem de volta ao mundo. por altura do Natal de 2004. Estávamos na fronteira da Tailândia com o Laos, e preparávamo-nos para fazer a viagem até Luang Prabang em slow boat – seria a forma menos cómoda e mais longa de o fazer, mas também, garantidamente, a mais genuína. Estaríamos dois dias inteirinhos a navegar Mekong abaixo, num long tail com bancos de madeira, e a fazer refeições com o que nos fosse vendido a partir das margens – asas de morcego e espetadas de escorpião eram alguns dos petiscos; mas também havia arroz, e empadas de vegetais.
E lá, no barco, ia ele, o Noah. Cinco anos, loiríssimo, a fazer as delícias de todos os presentes. Brincava, interagia com os locais (muitos) e os turistas (alguns). Não me lembro de nenhuma outra criança no barco.
Nessa altura, eu ainda estava longe de imaginar que teria uma filha (já o desejava, claro) muito menos que, uns anos depois, andaria a fazer algo parecido com ela. Mas agora compreendo que foi naquele momento que percebi que também gostaria de o fazer. Percebi que era possível. Se era possível viajar de firma tão tranquila e despreocupada com uma criança de cinco anos no meio daquela zona montanhosa, longe de hospitais, restaurantes, e hotéis… Era possível viajar em qualquer sítio do mundo.
Laura separou-se do pai de Noah e quis mudar de vida. Vendeu a casa em Newcastle e decidiu que iria tentar arranjariam emprego os Estados Unidos, um ano e meio depois. Tinha começado a viagem há cinco meses, sem planos. O primeiro destino foi a Índia. Acabou por ficar lá quatro meses, quando achava que iria ficar no máximo um. Depois da Ásia, seguiria para a Austrália e Nova Zelândia, e depois atravessava o Pacífico, até aos Estados Unidos. Onde deveria arranjar casa, e ficar a morar.
Laura era professora e estava a assegurar a escolarização do seu filho, e gostei muito de a conhecer pessoalmente. Trocamos endereços e gargalhadas, partilhamos mesas e cartas de jogar. Ela foi a primeira a ir deitar-se, naquele retiro à beira do rio onde pernoitamos a meio da viagem (mais do que uma fronteira, o Mekong, naquelas paragens é quase uma auto-estrada) porque o Noah precisava de dormir mais cedo.
Outras mães há que conheço apenas “virtualmente”, como Lainie, de 46 anos, e o seu filho Miro, agora de 14. Andam a percorrer as estradas do mundo desde 2009, e a transformá-las em salas de escola – vale a pena conhecer o projeto Raising Miro in the Road of Life. Com o mesmo espírito, também o projeto 1Dad1Kid tem feito as minhas delícias cibernéticas. O pai, o Crazy Dad, foi enfermeiro num hospital psiquiátrico durante décadas. Cansou-se das doenças, das depressões, da morte. E decidiu partir para mostrar o mundo ao filho, Tigger, de 9 anos. Andam a viajar há quase 750 dias.
Se me focar em situações concretas da nossa viagem, chego a muitas situações em que tudo ficou mais fácil pelo facto de viajarmos a três. Um de nós pôde ficar com a Pikitim enquanto outro procurava um melhor lugar para dormir, ou para comer. Pudémos fazer coisas à vez e assim aproveitar as oportunidades que nos iam surgindo.
Por exemplo, eu não teria ido com tanta tranquilidade fazer um mergulho nos céus de Taupo se não soubesse que a Pikitim me aguardava na pista calmamente, acompanhada do pai. Nem, porventura, teríamos embarcado com a mesma facilidade na aventura de ir nadar com tubarões baleia se não pudéssemos mergulhar à vez: enquanto um mergulhava, outro ficava com ela no barco, a ver os tubarões de longe.
Ou, se calhar, um de nós não teria subido até à cratera do vulcão Yasur, em Vanuatu, se não estivéssemos na ilha de Tanna com tempo suficiente para nos permitir alcançá-la em dois dias distintos. Num dia subiu a mãe; e o pai ficou com a Pikitim cá em baixo. Ela dizia, decidida, que era “muito nova para morrer”. No dia seguinte invertemos os papéis.
Sim, há vantagens em estar pai e a mãe quando se está a viajar com crianças. Pode parecer o cenário perfeito, por isso há muitas famílias que esperam por esse momento. Mas o meu ponto é este: não se espera pelos momentos perfeitos; os momentos perfeitos fazem-se, vivem-se. Tenho a certeza que conseguiria uma solução que não comprometesse a segurança e a tranquilidade da Pikitim e me permitisse viver estas experiências de maior adrenalina como fazer o skydive, subir ao vulcão ou mergulhar com os tubarões baleia.
Laura, Lainie e Crazy Dad são muito inspiradores. Viajam de forma monoparental e estão a dar aos filhos a oportunidade de viver muito e de aprender tudo numa relação privilegiada com um dos seus progenitores. E isso é o mais importante de tudo.
Claudia diz
post maravilhoso, Luísa! inspirador!!