A boca estava caída de espanto. A Pikitim olhava fixamente para o vídeo que explicava como era a superfície da terra há mais de cem milhões de anos, e como os atuais grandes continentes do hemisfério sul (África, Antártida, América do Sul, Oceânia) estavam todos juntos num único bloco de terra firme, chamado Gondwana. Quis ver o vídeo várias vezes seguidas e só depois balbuciou as primeiras palavras: “Então foi assim que aquela parede que vimos no glaciar viajou da Austrália até à Nova Zelândia. Agora percebi como é que atravessou o mar”, sentenciou ela, referindo-se à impressionante falésia de pedra, tão retilínea que parecia cortada a rebarbadora, que delimita o acesso à cabeça do glaciar Fox e onde estivéramos semanas antes. Na altura, parecia-lhe impossível uma montanha “viajar” pelo mar; agora, com os vídeos, tinha finalmente percebido o movimento das placas tectónicas. Estávamos no muito didático e interativo museu Te Papa Tongarewa, em Wellington, capital da Nova Zelândia, onde a Pikitim se divertiu muito e aprendeu outro tanto.
Durante a estadia na Nova Zelândia falamos muitas vezes de forças da Natureza. Glaciares e vulcões, lagos profundos, marés e terramotos. Agora, nas muitas salas do museu Te Papa, e sobretudo no piso que está dedicado às “awesome forces” da Natureza, a Pikitim demonstrou que tinha apreendido muita coisa, mesmo usando a sua terminologia simples. O centro da terra é “uma bola de fogo”, que está coberta por várias cascas, como se fosse uma laranja. “Às vezes a bola de fogo fica quente demais, e quer sair de lá do meio, como se fosse a espirrar” e, por isso, “faz a casquinha tremer e ficar com buracos”. E esses “buracos” são os vulcões. Estava encontrada a explicação para os terramotos. Quando entrou dentro do simulador onde pôde sentir os efeitos do terramoto de Edgecombe (que sacudiu a pequena cidade da ilha Norte em 1987 e atingiu a escala de 6,3 na escala de Ritcher) a Pikitim ficou muito impressionada.
Não lhe foi indiferente saber que Wellington, onde estávamos, se situa mesmo por cima de uma falha sísmica (que é como quem diz uma fenda na casquinha). Mas no museu aprendeu algumas técnicas para minorar os estragos em casa – incluindo salvar os peixes do aquário – e isso tranquilizou-a.
Em Wellington já há prédios altos, e esse foi o primeiro impacto que a Pikitim sentiu quando chegamos a Wellington, ao fim da tarde, depois de desembarcar do Interslander, o ferry que faz a belíssima viagem entre Picton (no coração de uma magnífica zona de fiordes conhecida como Marlborough Sounds), na ilha Sul, e a capital do país, foram precisamente as casas. Ou, no caso, os prédios, que via pela primeira vez em várias semanas. “Uau! Esta cidade é mesmo bonita!”, exclamou a Pikitim, maravilhada pelas tonalidades laranja que refletiam as janelas dos edifícios envidraçados.
Foi no meio deles que estacionámos a nossa autocaravana, bem no coração de Wellington. “A nossa casa é o máximo”, disse a Pikitim, mal desligámos o motor da autocaravana. Na verdade, a nossa casa era “apenas” um parque de estacionamento com uma casa de banho por perto. Tínhamos reservado duas noites no Wellington Waterfront Motorhome Park e lido tudo o que de bom e de mau anteriores visitantes tinham dito sobre ele. Que não é um verdadeiro parque de caravanas (porque não tem cozinha, nem espaços comuns), que está muito exposto aos ruídos do trânsito, que não tem segurança noturna. Mas a localização perfeita, com a possibilidade de fechar o carro e começar desde logo a percorrer a pé as curtas distâncias que o separa dos principais pontos da atração da cidade, convenceu-nos.
Começamos nesse mesmo fim de tarde a percorrer o cais de Wellington, contemplando os muitos bares e restaurantes que animavam a beira-mar, deixando-nos surpreender pela quantidade de pessoas que fazia jogging ou bebericava um copo ao ar livre, mesmo quando o vento estava em modo cortante. Atravessámos a ponte pedonal “da cidade para o mar” para chegar ao centro cívico, e prometemos à Pikitim que haveríamos de lá voltar com a luz do dia para rever as muitas esculturas de madeira que embelezavam a ponte.
E assim descobrimos, desde logo, que Wellington é uma cidade muito agradável para percorrer a pé. É suficientemente grande e diversa para merecer o epíteto de capital, mas é suficientemente concentrada para deixar à distância de uma curta e aprazível caminhada todos os sítios que gostaríamos de visitar. Todos, menos um: há um percurso que recomenda a tomada de um elevador, parecido com aqueles que sobem as colinas de Lisboa. O Wellington Cable Car faz a ligação até ao topo da principal colina da cidade, onde está instalada uma universidade, um simpático jardim botânico e um belo miradouro. Quando subíamos no elevador e se apercebeu que na direção oposta vinha um outro veículo a descer, a Pikitim ficou preocupada. “Como é que nós vamos passar por aquele elevador que está a descer? Temos de ir contra ele? Não nos vamos magoar?”. Teve a resposta momentos depois, e percebeu que há um ponto em que a linha se divide e os elevadores se cruzam.
Apesar de inicialmente ter pedido para descer a colina pelo mesmo elevador, não foi difícil convencê-la a regressar à “baixa” da cidade a pé, descendo pelo jardim botânico e completando uma das propostas de passeios pedestres existentes na cidade, claramente marcado com flores cor-de-rosa pintadas no chão que a Pikitim se encarregou de ir desvendando. O passeio termina na zona dos edifícios governamentais, bem perto do mais famoso de todos eles, o Beehive, que deve o nome às suas parecenças com uma colmeia.
Com caminhadas, brincadeiras em jardins públicos, refeições em restaurantes (que novidade!) e entradas em museus, foram dias bem passados em Wellington. Nunca mais ninguém se lembrou que estávamos a dormir “mesmo por cima de uma fenda na casquinha”.
sandra diz
Ahahahahhh deixa estar Pikitim que eu também já apanhei sustos desses e volta e meia estou distraída e faço-me exactamente as mesmas perguntas: ” “Como é que nós vamos passar por aquele elevador que está a descer? Temos de ir contra ele? Não nos vamos magoar?”