Poderíamos dizer que escolhemos Singapura para primeira paragem desta jornada planetária por ser um modelo de planeamento urbano, um exemplo de limpeza ou um case study de eficiência, ou até porque alberga no seu interior atracções de nomeada para pequenos e graúdos, de que é exemplo maior o magnífico Jardim Zoológico local. A verdade, porém, é bem mais prosaica: o bilhete de volta ao mundo que comprámos incluía obrigatoriamente uma paragem em Singapura. E ainda bem que assim foi.
Depois de um voo que atravessou oito fusos horários, a viagem desde o aeroporto até ao bairro hindu de Little India, onde por opção nos alojámos, com duas mudanças de metro e uma caminhada, ainda que curta, foi marcada pela impaciência à moda da personagem Donkey do filme Shrek a caminho do Reino Far Far Away: “Falta muito? Já chegamos? Onde é a nossa casa? Falta muito?…”
Uma vez instalados, com o corpo a iniciar o dia que estava, na verdade, a terminar, começamos de imediato a explorar Little india. É uma zona muito peculiar de Singapura, hindu, tradicional, menos limpa e sem arranha-céus. As pessoas vestiam de forma diferente, com saris coloridos e roupas largueironas e muitas tinham uma “pinta na testa”, mas a Pikitim tudo encarou com naturalidade.
A poucos metros do hostel ficava o templo Sri Srinivasa Perumal, um dos mais importantes templos hindus da cidade. Por casualidade, no exacto dia em que ali aterrámos decorriam umas festividades de adoração a Vishnu. Os chinelos e sapatos amontoados num portão de acesso ao jardim que albergava o templo mereceram a atenção da petiza: “porque estão ali tantos chinelos?”, perguntou. É como nas igrejas de Portugal, Pikitim, onde não se deve entrar de chapéu; nestes templos deve-se entrar descalço. “E o que é que aqueles senhores estão a cantar?”, indagou, referindo-se aos cânticos que vinham do interior do templo. Trata-se de uma celebração, Pikitim, uma festa, e aqueles cânticos são uma forma dos senhores rezarem. Foi quando disparou a temida pergunta: “O que é rezar?”. É conversar com Deus, Pikitim – arriscámos. Sabes, muitas pessoas acreditam que há um Deus, um pai que toma conta delas. “Mesmo as pessoas crescidas?”, perguntou. Sim, mesmo as pessoas crescidas. E só então que a Pikitim parou de fazer perguntas (uff!). Foi o primeiro banho de diversidade cultural e religiosa, antes de conhecermos outro bairro emblemático de Singapura: Chinatown.
Tudo era dragões em Chinatown. Com o Ano Novo chinês à porta, que dará início a um muito auspicioso ano do dragão da água – algo que acontece a cada sessenta anos -, Chinatown estava povoada por criaturas esguias de boca grande e ar simpático, colorida de vermelhos, amarelos e laranjas e todo o tipo de comércio associado à efeméride. Para a Pikitim, deliciada com a profusão de cores de bancas e lojas, era todo um novo mundo sensorial para descobrir, incluindo os cheiros e sabores dos restaurantes de rua. Foi quando nos surpreendeu a comer com pauzinhos.
Escolhemos um restaurante que não era “verdadeiro” porque “não tinha portas”. Podia ter sido outro qualquer, mas tinha começado a chover e havia clientela a almoçar, sinal sempre útil na escolha das casas de repasto. Lá dentro, ambiente chinês, ementa chinesa, empregados chineses. O menu incluía espetadas de frango grelhadas na hora, escolha que, acompanhada por arroz branco, nos pareceu acertada para a miúda, não fora o facto de nelas terem colocado incontáveis especiarias, ervas e picante. Repetimos o pedido indicando expressamente que era “para o bebé”, ao que o simpático velhote acenou positivamente, sorrindo, percebendo – pensávamos nós – que molhos e picantes deveriam ficar fora da receita.
Ao lado de cada prato havia dois pauzinhos. E foi precisamente a oportunidade de “comer com pauzinhos” que mais entusiasmou a Pikitim. À terceira tentativa – tantas quantas nos levou a conseguir uma espetadinha sem molhos -, já levava pedaços de galinha e consideráveis porções de arroz à boca (ok, com as duas mãos a segurar nos pauzinhos, mas quem disse que é fácil?). Foi um motivo de orgulho para a Pikitim, ou a derradeira prova de que as crianças a tudo se adaptam com incrível facilidade.
Bairros tradicionais à parte, queríamos muito visitar o Jardim Zoológico de Singapura. É mundialmente famosa a forma como os animais são mantidos no zoo singapurense, praticamente sem jaulas, em espaços verdes onde podem correr “livremente”, dando a ilusão de não haver separação física entre animais e visitantes (e não há mesmo para alguns animais inofensivos, como os cangurus). A Pikitim teve medo, é certo, sentiu “nojo” das cobras, naturalmente, mas gostou muito da experiência. À cautela, elegeu uns pacíficos esquilos e pinguins como os seus animais favoritos.
Curiosamente, não foi comer com pauzinhos nem o vislumbre de qualquer animal a coisa preferida da Pikitim em Singapura. Tínhamos passado um agradável serão na moderna zona de Marina Bay, assistindo a um espectáculo multimédia ao ar livre em frente ao centro comercial (que mais poderia ser se eles existem em cada esquina da cidade?) Marina Bay Sands. É onde fica o contemporâneo Museu das Artes e Ciências de Singapura. “Então, filha, o que gostaste mais em Singapura?”. A sua resposta foi para nós surpreendente: “o que mais gostei foi do ovo gigante partido”. São as mais deliciosas palavras com que poderíamos classificar o edifício do museu. E é assim Singapura que ficará para sempre guardada: como a cidade do “ovo gigante partido”.
Sandra diz
lololll picante…. medo……