Alerta de tsunami – visto pela mãe (em Bali)
Praia de Sanur, Bali. Tínhamo-nos refugiado em casa, a seguir ao almoço, para nos protegermos do calor. A Pikitim desenhava e fazia fichas da escola, a internet não estava com sinal e a televisão estava desligada. Às cinco da tarde, fomos ter com os avós a uma padaria em plena praia, onde a ligação wi-fi é boa. Sentei-me, abri o e-mail e li a última mensagem. Dizia: “Luísa, foi um emitido um alerta de tsunami. Espero que esteja tudo bem. Um beijo, Tiago”, e remetia uma notícia do portal Sapo. Carreguei no link e comecei a ler a notícia que me tinha sido enviada por um dos fundadores da Nomad, a agência para quem o Filipe estava a liderar a viagem “Segredos da Pérsia”.
Lembro-me de ficar petrificada. E comecei a pensar em voz alta, dirigindo-me ao avô da Inês. “Parece que foi emitido um alerta de tsunami, houve outro sismo brutal em Banda Aceh”. Não tinha acabado a frase e já o telefone começava a tocar. Era o Telmo, o tio da Pikitim, a perguntar por onde andávamos e a contar o que tinha sucedido. Biólogo marinho, habituado a mar e a consultar tabelas meteorológicas e sismográficas (vive nos Açores), explicou o que se tinha passado e alertou-nos para a página na internet onde deveríamos atualizar a informação. E que não deveria acontecer nada na costa onde estávamos, pelo menos dentro de hora e meia a duas horas. Depois disso, ninguém sabia.
Levantei-me da mesa e fui perguntar aos funcionários da padaria se sabiam de alguma coisa. Não, nada. Estavam a sabê-lo por mim. Tentei visualizar, mentalmente, onde tinha visto planos de evacuação de praia em caso de tsunami – uma realidade constante nas praias da Tailândia e em algumas da Malásia, pelo menos. E na Indonésia, já as teria visto? Não me consegui lembrar. Fui para a pousada acender a televisão e o alerta de tsunami era “breaking news” em todos os canais.
A CNN tinha no ar a correspondente em Jacarta, a dizer que ainda não se sabia de nada; a Sky News tinha já um especialista em sismos e tsunamis, dizendo que ainda não se tinha conseguido perceber se se iria formar uma onda ou não; a BBC estava a retransmitir imagens do tsunami devastador de 2004. Era impossível não pensar nele: o epicentro voltou a ser ao largo de Banda Aceh, a intensidade apenas umas décimas abaixo (o de 2004 atingiu os 9,0 na escala de Richter; o daquele dia estaria nos 8,6).
Essas imagens também não saíam da minha retina. Começou a apoderar-se de mim o pânico de ter de reviver as situações que presenciei em 2004, primeiro na Tailândia, depois no Sri Lanka. Não temia pela minha vida ou dos que estavam comigo – tínhamos tempo de fugir. Receava, isso sim, que tivesse de reviver aquelas imagens de destruição e, sobretudo, tinha um medo profundo que a Inês vivesse esses momentos, que visualizasse a capacidade destruidora da natureza da pior forma.
Os avós também não estavam tranquilos, apesar de sempre terem conseguido disfarçar a angústia. A avó conseguiu manter a Inês ocupada e alheada, o avô começou a arrumar as malas – não fosse necessário ter de sair dali. Eu mantinha-me colada à televisão, sempre à espera que algo acontecesse. Ou que as sirenes começassem a tocar ou que o alerta fosse retirado. Nem uma coisa nem outra. E a tranquilidade e displicência com que todos agiam estava a mexer-me com os nervos
“Foi muito longe, em Sumatra, não chega aqui”, disse-me um habitante de Sanur. Pois, pois. Da outra vez também era muito longe e eu lembrava-me bem até onde tinha chegado. “Não chega aqui, da outra vez também não chegou. Estas coisas más acontecem em Sumatra porque lá há muitos terroristas”, dizia-me outro.
O Filipe ligou do Irão no momento em que eu me sentia uma barata tonta, sem saber o que fazer. Sair de Sanur, quando todos à minha volta parecem ignorar o que se passa? Ou ficar mais uma hora à espera que algo aconteça e, quem sabe, nessa altura poderá ser já tarde de mais? Perguntei aos avós da Inês se ficavam mais descansados se nos metêssemos num táxi e fossemos jantar “a um local mais alto”. Disseram que sim. Era o que eu precisava de ouvir.
No momento em que nos metíamos no táxi em direção a Ubud – não há como regressar a um local familiar quando procuramos alguma tranquilidade – parecia que estava mais ansiosa que nunca. Apetecia-me gritar a todos, dizer “Fujam daqui!”. Ao mesmo tempo que tinha consciência de que havia em mim, naquele momento, pouca racionalidade. Só tive a frieza para dizer com a naturalidade possível à Inês que iríamos voltar a Ubud porque queríamos comer pela última vez o pato assado no restaurante que ela tinha gostado tanto.
Sentia que estava a ser irracional – não havia de ser eu a única a estar certa, por estar atenta e preocupada quando todos pareciam ignorar o que se tinha passado. Mas sabia que era melhor afastar-me da costa para conseguir “respirar”. Só o conseguiria fazer quando me certificasse que a Inês não teria nunca de ver pessoalmente aquilo que eu e o pai dela vimos em 2004.
Respirei quando chegamos a Ubud, 30 minutos e uma pequena fortuna em táxi depois. O alívio veio no final do jantar quando o Telmo (sempre ele, o nosso anjo da guarda!) nos avisou que o alerta tinha sido retirado. Podíamos regressar descansados. E a Inês não chegou a aperceber-se de nada. Prefiro explicar-lhe na teoria o que é um tsunami do que ela aprendê-lo da pior forma.
Alerta de tsunami – visto pelo pai (no Irão)
Shiraz, Irão. Chego ao hotel sem saber de nada, acedo à lenta internet e, mal tenho tempo de começar a ler notícias e já outros me informam que houve um sismo perto de Banda Aceh. E que há um alerta de tsunami. Dizem-mo por uma razão óbvia, mas passa-me ao lado. Abro o correio e respondo mecanicamente a um email perguntando se as meninas estão bem, respondendo que “devem estar”, claro, e que “eu estou no Irão”. Só depois me “cai a ficha”.
Tenho um grupo pronto para sair do hotel em Shiraz, para explorar a cidade dos poetas integradas no programa da viagem Segredos da Pérsia. O tempo é escasso.
Pesquiso o Público online. Há, de facto, um alerta de tsunami na Indonésia, na Tailândia e outros países da região. O sismo ocorreu ao largo de Aceh, com intensidade de 8,6 na escala de Richter e epicentro menos profundo que o de 2004. Foi um abalo violento e potencialmente devastador, não há como negar. Bali é longe, penso. Não, Bali não é assim tão longe. Porra, que Bali é ali ao lado! Corro ao telefone, ligo para a Luísa e encontro uma mulher com voz aflita, assustada, sem saber o que fazer. E eu longe. Diz-me que se houver uma onda ela chegará “dentro de uma hora, hora e meia” – informação do meu irmão, biólogo marinho que vai acompanhando a situação no Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores -, e que o pessoal em Bali está como se nada fosse. E eu longe. A possível tragédia desta vez tem hora marcada, e isso é estranho.
Vêm à memória as imagens de dezembro de 2004, que vivi em Kao Lak e no Sri Lanka. Só que desta vez é pior, porque estou longe. E porque hoje há uma filha perto da praia. A minha filha. Fico tenso. A impotência de nada poder fazer é angustiante. Da outra vez, imbuído daquele inexplicável espírito de missão jornalística, queria estar na praia a fotografar, em cima do acontecimento, à espera de réplicas, perto do perigo. Quanto mais perto melhor! Hoje, aconselho a Luísa a sair do litoral, porque mais vale prevenir do que ser notícia. Infelizmente, não posso fazer muito mais. Estou longe, e tenho um grupo pronto para sair do hotel.
Volto ao computador. Ludibrio os filtros iranianos e acedo à bloqueada BBC. Mas esta limita-se a confirmar que há alerta de tsunami e que as autoridades estão vigilantes. Bolas! Poucas notícias dizem mais que o óbvio, nenhuma antecipa cenários, resta esperar a onda. As autoridades indonésias estão em alerta, o que por si só é uma evolução face a 2004. Ninguém quer a repetição da tragédia.
O pessoal do grupo tenta ajudar. Liga-se a transmissão ao vivo da Al Jazeera num iPad, mas a ligação é tão fraca que não permite ver televisão. Não sei mais nada. E é mesmo hora de sair do hotel.
Decido não estar sempre a telefonar para não preocupar quem tem de tomar decisões no terreno, em Bali. Procuro um mapa da Indonésia. Analiso o mapa com as circunferências das ondas de choque a partir do epicentro do sismo , e convenço-me que é impossível qualquer onda provocada pelo maremoto chegar a Bali, quanto mais a Sanur, na costa sudeste da ilha. Saio com o grupo para as visitas programadas aos jardins de Shiraz e ao túmulo do poeta Hafez, aliviado mas ansioso.
Tenho a certeza que não vai acontecer nada de mal mas, no fundo, não tenho a certeza de nada. Ao longo do que resta da tarde, ajo com a normalidade possível, da forma mais profissional que consigo – mas a minha cabeça não está no Irão.
Espero pela hora da suposta onda e telefono outra vez. Fico a saber que a família decidiu regressar a Ubud “para jantar” e que vão pagar uma fortuna de táxi. Suspiro de alívio. A última coisa em que penso é no dinheiro. Ubud fica no interior da ilha de Bali, suficientemente alto para ser 100% seguro. Pouco depois, passa a hora da desgraça anunciada. E nada acontece. Foram apenas momentos de angústia. Já posso sorrir à distância; a família está bem.
Ruthia Portelinha diz
Quando se é pai ou mãe, o medo está sempre ao virar da esquina. Graças a Deus, tudo correu pelo melhor. A Luísa raciocinou muito bem. Agora é respirar fundo… e continuação da boa viagem.
Gata Balinesa diz
Oi 😀 sou nova aqUi. Caracas! Isso foi tenso! Não sou de Portugal, portanto, não estranhe meu jeito de falar (ou escrever, no caso) rsrsrs e desculpa se eu tô atrasada (e muito!) pra comentar 🙁 é que só vi agora, mas imagino que deve ter sido barra pra vocês, inda mais tendo criança pequena aí. E o melhor é que, com a ingenuidade dela, a Inês nem se apercebe disso… 😉 só soube que vocês a levaram para Ubud (que é um lugar maravilhoso e lindo) e comeram ali. Deve ter pensado que foi SÓ um passeio lá, nada além disso. Mas não sei se vocês contaram pra ela, depois…. De qualquer maneira, o bom é que ela não se apercebeu disso na hora! Ah, nada como a ingenuidade infantil… 🙂 tchau!