“Sabem, há uma maneira mais barata de ir até às Yasawas. Todos os sábados, de madrugada, sai um cargueiro do porto de Lautoka em direcção ao Coral View, que aceita levar passageiros. Não é tão confortável como o ferry, mas podem experimentar”, informou-nos Finau, a diligente anfitriã na aldeia de Viseisei. Era algo para nós totalmente desconhecido e, a possibilidade de fugir ao caríssimo Yasawa Flyer, o ferry backpacker que ruma diariamente aos arquipélagos das Mamanucas e Yasawas agradou-nos imediatamente.
As Yasawas são uma cadeia vulcânica com uma vintena de ilhas que se espalham a nordeste da principal, Viti Levu, ao longo de mais de 80 quilómetros. Nos últimos anos tornou-se cada vez mais popular visitá-las em jeito de island hopping, usando como meio de transporte o tal Flyer sempre apinhado de turistas – sobretudo nesta época do ano, em que australianos e neozelandeses aterram nas Fiji para fugir ao inverno.
Nas Yasawas, tínhamos como objectivos primordiais conhecer a mítica Blue Lagoon, um belo pedaço de praia e mar reconhecido pela rica vida marinha que alberga, e onde foi filmado, há mais de 30 anos, o antropológico filme de Randal Kleiser, com a então jovem Brooke Shields e Christopher Atkins; e, mais que tudo, agradava-nos a possibilidade de nadar com mantas ao largo da ilha Drawaqa. “Ver mantas a sério? E são grandes como as que vi no Aquário [em Kuala Lumpur]? Boa!”, regozijou a Pikitim. Estava decidido. Às quatro da manhã estávamos no porto de Lautoka.
Dirigimo-nos a uma senhora sentada atrás de uma mesa de madeira colocada no cais com a lista de passageiros. Seriam uns 15, todos fijianos, incluindo bebés de tenra idade. Todos esperamos enquanto a carga acabava de ser colocada a bordo. Olhámos para o lado e ali estava o “cargueiro”.
Era, afinal, um pequeno barco com uma simples cobertura, dois bancos corridos e umas lonas laterais que não o isolavam do vento frio da madrugada. No porão, incontáveis caixotes com mantimentos para o resort. No convés, pouco (ou nenhum) conforto para as seis horas de travessia. Tememos uma viagem difícil, ao ponto de decidirmos tomar comprimidos para prevenir os enjoos. Não podíamos estar mais enganados. Com o mar calmo, a travessia decorreu sem sobressaltos e até deixamos que o cansaço falasse mais alto e permitimo-nos dormitar.
Os bancos poderiam não ser os mais confortáveis, mas a Pikitim dormiu profundamente e só acordou para um pequeno-almoço comunitário acompanhado pelo fumo negro e espesso que saia do velho barco e respectivo cheiro a gasóleo, lá para as sete da manhã. Perdeu, por isso, o bonito nascer do sol com que fomos presenteados em alto mar. E logo voltou a adormecer.
Quando acordou pela segunda vez, quis sentar-se na popa, em cima de uma caixa de madeira (que protegia uma arca frigorífica), para melhor apreciar a paisagem e dar largas À sua imaginação infantil transformando a silhueta das ilhas ou a forma das nuvens numa qualquer figura imaginária. “Olha, aquela nuvem parece mesmo um crocodilo, não parece?”.
Foi também em cima da mesma caixa de madeira que não resistiu (finalmente!) a experimentar um frango de caril, não eram ainda onze da manhã. “No spicy? No hot?”, perguntou ao jovem de fato-macaco que lhe estendeu o prato do almoço. “Delicious!”, afirmou, depois da primeira garfada. Ou então era fome.
Chegamos à ilha Tavewa quando o relógio marcava meio-dia. No areal, aguardava-nos um verdadeiro comité de boas vindas do Coral View: flores ao pescoço, uma música, aplausos e gritos de “Bula! Bula!”. “Esta festa é para nós?”, perguntou, incrédula, a Pikitim. No caso, era exclusivamente para nós, porque na verdade não havia mais turistas a bordo. Não fora Finau, e nem nós saberíamos desta forma de chegar ao topo norte das Yasawas.
A animação foi o aspecto que a Pikitim mais apreciou na ilha Tavewa, sobretudo um espectáculo de danças polinésias, na praia, onde não faltaram malabarismos com fogo e facas. O ritmo da dança contagiou-a, e o difícil foi convencê-la a não se aproximar demasiado. “Não se preocupem, eu estou a ver! Quando o menino lançar o pau a arder ao ar eu chego-me para trás”, prometeu.
Foi também a partir do Coral View que fomos até à Blue Lagoon, a lagoa defronte à ilha onde foram gravadas algumas cenas do homónimo filme, para nos deleitarmos com a diversidade da vida subaquática. “São milhares, pai!, são milhares! Nunca vi tantos peixinhos juntos!”, dizia entusiasmada, enquanto fazia snorkelling. É um facto: a concentração de peixes de todos os tamanhos e cores é inacreditável. O “truque”? O criticável hábito de alimentar os peixes para turista ver.
Seja como for, a Pikitim não acusava cansaço e recusava sair da água, não se deixando impressionar pelo alvo areal que convidava a uma toalha esticada ou a mais um castelo de areia. Acabou por sair forçada, depois de a maré ter deixado os corais demasiado próximos da tona e ter feito um pequeno corte numa perna. O regresso à água haveria de dar-se dois dias depois, já noutra ilha, à procura das mantas.
O “canal das mantas” fica ao largo da ilha Drawaqa. Todos os dias, na maré alta, estes simpáticos gigantes dos mares aparecem para se limparem e alimentarem. Instalamo-nos num bungalow básico do Barefoot Lodge, localizado no extremo norte da ilha, virado para o canal. Não faltavam actividades para miúdos e graúdos, improvisadas para manter entretidos os hóspedes num dia de chuva. A Pikitim esmerou-se a tentar fazer pulseiras e anéis de coco, e “obrigou” a mãe a aprender a fazer com ela um saco com folhas de coqueiro entrançadas. Até que, a meio da manhã do dia seguinte, ecoaram por todo o resort sonoras batucadas num tronco oco. Era o sinal de que as mantas tinham sido avistadas no canal.
Apesar do entusiasmo que demonstrou em ver as “raias gigantes”, a Pikitim acabou por desistir à primeira tentativa. Foi a primeira a saltar do barco para o mar, quando os olhares treinados do “capitão” avistaram da superfície três mantas a nadar na direcção do barco. Mas foi também a primeira a querer sair da água, mesmo antes das mantas estarem no seu raio de visão. “Eu meti a cabeça na água e só vi peixinhos. Comecei a imaginar que uma manta vinha contra mim e que eu não estava a ver, e tive medo”, justificou, entre lágrimas. Acabou por vê-las também da superfície, quando passavam junto ao barco, tal a limpidez da água, e para ela foi suficiente. “É tão bonito”, Pikitim, tentávamos convencê-la a perder o receio. “Não faz mal. Eu já vi como elas nadam. Prefiro vê-las daqui de cima”. Missão cumprida nas Yasawas.
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