Sei que a maior parte das pessoas procura o oposto: quando estão em viagem, ou vão de férias para sítios mais ou menos distantes e exóticos, querem tudo menos estar num sítio que lhes faça lembrar o lugar em que moram. A maior parte das pessoas gosta de espaços diferentes, de mobílias diferentes e, sobretudo, procuram rotinas diversas das que vivem no dia a dia. Mas, numa viagem de longa duração como aquela que fizemos à volta do mundo percebe-se que não seja assim. E mesmo uma criança de cinco anos vai tentar transformar em sua a casa onde vai pernoitar nas noites seguintes.
A Pikitim experimentou muitas casas ao longo da viagem. Dormiu em casas na árvore e em casas sobre a água, passou dois meses numa casa sobre rodas (como chamava a autocaravana onde viajamos na Austrália e na Nova Zelândia) e duas semanas numa casa de lona (quando acampamos na nova Caledónia). E ficou em pousadas, guesthouses, hostels, casas de amigos, casas de desconhecidos e até num motel.
E em todas elas se notava um padrão. Precisava de transformar um qualquer recanto daquelas casas no seu espaço – já que raramente pôde dizer que tinha um quarto para ela, podia dizer que tinha um canto, ou recanto, à sua responsabilidade. Normalmente bastava-lhe uma estante, ou uma mesinha de cabeceira. Invariavelmente, retirava todos os haveres que transportava na sua mochila, e arrumava-os metodicamente nessa estante, ou prateleira. E todos os dias, nos dias em que estivesse naquela casa, simulava uma rotina, recriada à sua medida.
Foi assim quando chegou à casa na árvore, em que se pôs a arrumar a cabaninha, tal como fez a branca de neve na casa dos sete anões. Foi assim na caravana, quando percebeu que um dos arrumos sobre uma das rodas traseiras se iria transformar no seu armário pessoal. Foi assim na tenda de campismo: um dos bolsos laterais passou a ser abrigo dos seus livros e brinquedos. Mais do que preocupar-se onde tinha a roupa – essa era sempre uma responsabilidade da mãe – a Pikitim preocupava-se em arrumar os seus livros, cadernos, lápis e brinquedos.
Contam-se pelos dedos das mãos as vezes que a Pikitim disse que tinha saudades do seu quarto. Foi mais comum ouvi-la dizer que tinha saudades de um determinado livro ou brinquedo. O espaço físico, esse, nunca era importante. Para nós, família temporariamente nómada, foi muito fácil sentirmo-nos em casa. “Casa” é, afinal, o sitio onde estamos juntos, seja ele onde for. Qualquer casa rapidamente se transformava na “nossa casa”. Por mais temporário que fosse esse sentimento.
PS – Fui durante alguns meses cronista do portal Sapo Crescer – que entretanto mudou de nome, para Sapo LifeStyle. Por considerar que alguns textos permanecem actuais, e por já não os encontrar online, republico-os aqui.
PS2 – À conta desta crónica, fui rever o excel onde anotei “onde dormiu a Pikitim”. Um dia dou-lhe o tratamento adequado. Está prometido.
Laira diz
Olá Luísa!
Tenho uma filha de 1 ano e 4 meses e sonho em dar a volta ao mundo em família! Faço diversas viagens com a minha filhota e já coloco ela em todas as minhas aventuras, trekking, bike, caiaque. Estou preparando ela para uma volta ao mundo!! hehe. 🙂
Como é bom ler relatos de famílias que já fizeram isso também! Parabéns pela viagem e pelo blog!!!
Abraço,
Laira