Foi há mais de três milénios que começaram a chegar os primeiros habitantes às ilhas Fiji, um arquipélago que está actualmente no mapa de todos quantos sonham com ilhas paradisíacas no Pacífico Sul, daquelas tipo bilhete-postal em que qualquer fotografia sai bem. E foi em Viseisei, uma aldeia na costa noroeste da ilha principal de Viti Levu, que iniciaram o povoamento do arquipélago. Foi lá que escolhemos passar as nossas primeiras noites nas Fiji.
Chegamos num sábado à tarde ao aeroporto de Nadi, e Viseisei ficava a uma curta viagem de táxi. Foram pouco mais de 15 minutos conduzidos por Jit, e a Pikitim ia entusiasmada porque sabia que íamos ficar dois dias em casa de uma família onde havia uma criança. “Será menino, ou menina?”, insistiu, perante a ausência de respostas cabais. “Só sabemos que é mais nova do que tu, só tem três anos”, avançamos. “Se fosse menina podíamos brincar com bonecas. Eu deixei a minha barbie com a Enna [uma menina de Tanna, Vanuatu], mas continuo a gostar de brincar com bonecas, sabiam?”.
Pelo caminho, avistámos a intensa faina de máquinas debulhadoras em campos a perder de vista, e uma linha férrea que acompanhava a Queens Road (a “estrada da raínha, que dá a volta parcial à ilha de Viti Levu) onde uma locomotiva arrastava incontáveis vagões carregados de cana-de-açúcar. “Este comboio está carregado com lenha? Não leva pessoas?”, perguntou, espantada, a Pikitim. Jit, o motorista de táxi, explicou que estávamos em época de colheita de cana-de-açúcar. “Cana-de-açúcar, como comemos em Vanuatu? Podemos parar para eu comer uma?”, pediu, como se a cana-de-açúcar que aprendeu a gostar em Port Vila fosse agora tão irresistível como um chupa-chupa.
Jit é de origem indiana. Na verdade, há muitos indianos a habitar as Fiji, ao ponto de, dias antes, alguém ter desdenhado as Fiji precisamente por essa causa: “demasiados indianos!”. Hoje em dia, o hinduísmo abrange 35% por cento da população das Fiji. Começaram a chegar há meio século com o pretexto de ajudar na colheita da cana-de-açúcar, e agora praticamente dominam a economia do país – a economia, mas não a terra, que os fijianos, aparentemente, não a vendem a estrangeiros.
A primeira impressão do território foi mesmo essa: a de um país multiétnico. Chegados a Viseisei, no entanto, vimos uma aldeia tão fijiana quanto uma aldeia das Fiji pode ser. Casas térreas, com poucas ou nenhumas divisões, todas com pequenos terraços e estores de vidro a tapar as janelas, e as pessoas sentadas nos alpendres à porta das casas. E, bem no centro da aldeia, um enorme espaço verde muito bem cuidado, e uma imponente igreja branca a reflectir o sol de fim de tarde.
A casa de Finau ficava pertíssimo dessa igreja metodista, e nós éramos aguardados de braços abertos e vários sorrisos. Especialmente o de Kalessi, a criança de três anos que Finau adoptou, e que não escondia a alegria de ver entrar outra pela sua casa. “É uma menina!”, regozijou a Pikitim, atirando-se para os brinquedos espalhados no chão.
O chão estava coberto com tapeçaria em palha, e percebemos desde logo que esse é o espaço mais nobre e mais utilizado, onde tudo se passa e tudo se faz. É no chão que se brinca e se conversa, que se almoça e se janta, que se trabalha e se dorme. “Vou fazer-vos a vontade, e jantar convosco à mesa. Mas no chão a comida sabe-me melhor”, explicou-nos Finau. Os visitantes comem primeiro, sentados à mesa. O resto da família vai comendo à vez, sempre no chão, de pernas cruzadas, e às vezes com as mãos. “Aqui também fazem como na Malásia”, reparou a Pikitim, não abdicando, porém, do seu garfo para avançar num delicioso frango com ananás.
Foi à volta do chão que continuamos a conversar sobre o país, ouvindo sugestões sobre lugares a não perder. “Podem ir e voltar sempre que quiserem. Podem deixar aqui a bagagem que não precisarem. Esta também é a vossa casa”, sugeriu Finau, ao fim da noite, mostrando-nos o quarto com um beliche e uma cama onde iríamos dormir. “Mas onde dorme a Kalessi? Só há mais um quarto…”. A Pikitim mostrava-se intrigada, mas logo percebeu que os brinquedos e os cadernos se encostavam a um canto, onde também estavam cestos de roupa em vez de armários, e livros empilhados no chão em vez de prateleiras. Estenderam um lençol e acostaram-se mesmo ali. Finau dormia com Kalessi de um lado, dispensando o quarto e a cama onde dormia o marido. O chão da sala havia de ser partilhado ainda pelo outro filho adoptivo do casal, que ali dormia com Luci, a sua companheira e talentosa cozinheira.
Foi assim durante duas noites, até que decidimos seguir a sugestão de Finau e rumar à Costa de Coral, no lado sul da ilha. Deixamos metade da bagagem e apanhamos um autocarro que nos deixou na The Beach House, uma espécie de backpacker resort onde convivem famílias, “mochileiros” independentes, casais e surfistas. Uma mistura que, assim descrita, até pode parecer bizarra, mas que na realidade resulta num dos lugares com melhor atmosfera em que já pernoitamos nesta longa jornada.
É quase como se fosse uma extensão da vizinha aldeia de Navola. Muitas das actividades ali oferecidas são tratadas directamente com os habitantes da aldeia, que circulam pela The Beach House como se a casa também fosse deles. É o caso de Eddie, um “warrior” de Navola (em todas as aldeias há um chefe e sua família, e também os “guerreiros”, aqueles que trabalham lutam pelo bem estar da aldeia) que disponibiliza os seus cavalos para passeios na praia, por altura da maré baixa.
Desde que viu cavalos a correr soltos numa praia da Nova Zelândia, a Pikitim dizia que gostava de experimentar. Eddie foi à aldeia buscar a filha Sunny, de dois anos e meio, para que ambas percorressem uns poucos quilómetros da costa no dorso de um cavalo. Como sempre, a Pikitim não se calou um minuto, ora fazendo perguntas acerca do desempenho da égua Magic (“Está a escolher o caminho entre as pedras? Ela consegue passar por cima daquele tronco? Nunca bebeu água da praia, será que sabe que é salgada? Os cavalos têm pensamento? Porque é que usam ferraduras?”), ora arranhando o seu cada vez mais apurado inglês com Sunny (“Look, Sunny, look at me! Look horse is going there!”).
No final do passeio, sentenciou: “Sabes, mãe, quais são os meus animais preferidos? Os cães, os gatos, os coelhos, os golfinhos e as tartarugas e… os cavalos”. E explicou porque razão os acabara de somar à sua lista: “são bonitos e inteligentes”. E continuou: “Eles têm pensamento, senão como é que percebiam para onde eu queria ir?”. Os cavalos não tinham defraudado as expectativas da petiza. “E sabes o que eles mais gostam de comer? Açúcar!”, aproveitamos para lhe dizer. “Gostam de cana-de-açúcar? Então são como eu! E eu sou como um cavalinho”.
Pipoca diz
Olá, gostei muito da reportagem 😉 vivi 3 anos nas Fiji e foi daqueles onde vivi que me deixaram excelentes recordaçōes, após vários anos, voltei lá, ainda se lembravam de mim, do meu nome e da minha familia 🙂 votos para uma continuação de boas viagens e passeios, nada melhor do que ter oportunidade e poder viajar pelo mundo inteiro. 😉 é muito enriquecedor.